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Sem perder a alma

Em mais uma audiência pública na Câmara dos Deputados, ambientalistas defendem manutenção de princípios do Código Florestal definidos desde as primeiras versões da lei, em 1934.

Salada Verde ·
26 de novembro de 2009 · 15 anos atrás
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Sua porção fresquinha de informações sobre o meio ambiente
Porção de floresta na Amazônia. Foto: Divulgação Peugeot
Porção de floresta na Amazônia. Foto: Divulgação Peugeot

Raul do Valle (Instituto Socioambiental) lembrou que a legislação florestal vê as matas como bens de interesse comum dos brasileiros, mesmo em imóveis particulares, como protetoras das águas, do solo e de espécies raras e que desde aquela época já estipula uma reserva de 25% das propriedades. “Não estamos nem falando do tamanho atual das reservas ou faixas de proteção permanente. Em 1965, na versão atual do Código Florestal, o caráter de bem de interesse público foi mantido, enquanto a questão da proteção se consolidou nas áreas de preservação permanente”, ressaltou.

Segundo ele, projetos de lei em tramitação no Congresso vêm tentando derrubar essas diretrizes históricas, como se elas não fossem valiosas ao país.”Querem mudar o conceito de interesse social das florestas, dizendo que quem desmatou não precisa recuperar, ou permitir a recuperação com espécies de uso comercial imediato, ou ainda compensar reservas legais em qualquer local, onde terras são mais baratas. Como se recuperar florestas fosse apenas uma burocracia criada em 1934 que deve ser resolvida da forma mais rápida e barata para legalizar propriedades rurais”, disse.

Sérgio Leitão (Greenpeace) comentou que a legislação florestal prevê desde sua origem a manutenção de funções naturais vitais para a produção agropecuária e o abastecimento público e defendeu que o Brasil siga “inovando” no setor. “Santos Dumont inventou o avião, a Daiane (dos Santos) criou aquele salto carpado. Não temos o direito de inventar? Só o de copiar como xerox do estrangeiro? Temos sim o direito de inovar e manter nossas reservas legais e áreas de preservação permanente. Vamos comparar daqui para fora, não de fora para dentro”, disse.

Conforme eles, o caminho mais correto é o da recuperação das florestas nativas originais, para assegurar “serviços ambientais” comprovados pela Ciência, como proteção de terrenos frágeis, oferecer água para agricultura, abastecimento público e ciclo de chuvas, proteção da biodiversidade; fixação de poluentes que aquecem o planeta e abrigo de polinizadores úteis à produção agrícola.

“No interior de São Paulo, a mamangava não poliniza mais as flores do maracujá, pela degradação das matas e poluição. Agora os produtores contratam polinização manual, pagam por algo que a natureza oferecia de graça”, lembrou do Valle. “Por tudo isso é fundamental manter as premissas do Código Florestal. É economicamente inviável e indesejável para a economia do Brasil que a conservação ocorra apenas dentro de áreas protegidas”, ressaltou.

Clique e confira em tamanho maior. Imagem: Probio / ISA
Clique e confira em tamanho maior. Imagem: Probio / ISA

Retrovisor

Relator da comissão especial, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP) disse ter visto lacunas no discurso ambientalista, que não estaria ligando os pontos entre democracia, economia e questões sociais. Comentou que a desinformação, falta de infraestrutura, analfabetismo, a ocupação da Amazônia por agentes de fiscalização e bloqueio ao crédito estão levando a uma reconcentração de terras em estados como Mato Grosso, Pará e Rondônia. “Sem saída, pequenos produtores estão vendendo suas terras e migrando para as cidades. As políticas também se julgam pelos resultados que produzem”, disse.

Segundo ele, as preocupações do “mundo ambientalista” não levam em conta essas realidades, não podem dissociar o ambiental do social. “Por mais que se diga que o livre comércio é o futuro, muitos países seguem protegendo seus empregos e sua agricultura. Parece que parcela do movimento ambientalista acaba funcionando como aparato dos interesses de um mundo cheio de disputas e cobiças sobre os recursos naturais”, acredita o parlamentar. “Nossa agricultura tem os defeitos que se conhece, mas é um patrimônio importante, produz alimentos. Não podemos subestimar conquistas como o barateamento dos alimentos ou jogar só nas costas do campo o passivo ambiental brasileiro”, disse.

Rebatendo a visão de Rebelo, o pesquisador do Ipam – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia André Lima lembrou que o Brasil tem 50% de florestas em pé e por isso não pode ter seu desenvolvimento pautado só como “país do agronegócio”. “As florestas também produzem riqueza e abrigam milhões de brasileiros. O Código Florestal tem tudo a ver com economia, pois gera recursos vitais para a sua manutenção, até para as exportações de soja. E quem exporta commodities não são os pequenos”, disse.

Segundo ele, a falta histórica de atuação do poder público para implementar o Código Florestal e levar melhores modelos de desenvolvimento à Amazônia, por exemplo, não pode ser compensada com a derrubada da legislação. “Não podemos adequar a legislação à ausência do Estado, seria um grande retrocesso e jogaria por terra debates construídos ao longo de décadas no país”, alertou.

Fernando Gabeira, deputado pelo PV carioca, reforçou que manter a floresta amazônica em pé não pode depender apenas de pagamentos, como pelos serviços ambientais que ela presta, mas também de investimentos em Ciência. “Um grande instituto de pesquisa na região é fundamental. Esse é o caminho para abrir alternativas àquelas populações. A gravidade da questão ambiental mostra que a cooperação é mais importante que as contradições”.

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