Reportagens

Crise de identidade

Programa Petrobras Ambiental deixa claro, pelos projetos aprovados, que tem como foco o social. Tendência desagrada ambientalistas que esperavam mais atenção à conservação.

Aline Ribeiro · Eric Macedo ·
4 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

Apesar de o nome sugerir o contrário, o Programa Petrobras Ambiental não se dedica exclusivamente, ou até mesmo preferencialmente, à conservação da natureza. No dia 15 de setembro, data da divulgação da lista dos 36 felizardos que abocanharam os R$ 48 milhões oferecidos pelo programa, ficou comprovado que grande parte dos projetos escolhidos privilegiam mais os resultados sociais do que os ambientais. Tendência explicitada no próprio edital do concurso. Segundo o regulamento, seriam beneficiados os projetos que contassem com a participação da comunidade e tivessem resultados sociais. Centrar sua execução nas áreas de influência da empresa também ajudaria na hora da classificação.

Muitos projetos levaram o edital ao pé da letra. Em busca dos critérios mais valiosos, incluíram em seus principais objetivos a melhoria da qualidade de vida das comunidades envolvidas e a geração de empregos e renda. O apreço pelas questões sociais descontentou ambientalistas, que esperavam do programa – o maior financiador do país de projetos que lidam com meio ambiente – mais incentivo à preservação. “Os projetos escolhidos são, sem dúvida, mais sociais do que ambientais. No momento em que temos no Brasil recursos tão reduzidos para a conservação, as propostas contempladas poderiam ser mais voltadas para o meio ambiente”, diz Verônica Theulen, coordenadora do Programa de Áreas Naturais Protegidas da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e colunista de O Eco.

Segundo ela, um dos grandes problemas ao se unir o social ao ambiental é a falta de capacidade técnica das entidades conservacionistas com as questões antrópicas. “Como os recursos voltados efetivamente para a conservação são muito reduzidos, as ONGs focadas em meio ambiente acabam colocando elementos sociais em suas propostas, na tentativa de serem contempladas pelos programas. Aí temos sérios problemas, porque elas não conseguem dar conta nem de um, nem de outro”, considera.

A gerente setorial de Programas Ambientais da Petrobras, Rosane Aguiar Figueiredo, pensa diferente. Para ela, é perfeitamente possível conciliar as duas linhas. “Estimulamos tanto a sustentabilidade econômica como a social e a ambiental. Nossos projetos sociais sempre têm um viés ambiental e vice-versa. Neste caso, procuramos fomentar, nos aprovados, a geração de empregos e renda.” Segundo Rosane, o fato de algumas entidades não focadas em meio ambiente terem sido beneficiadas não é problema. “Todas as ONGs, representações de classe e entidades aprovadas, por mais que não sejam especializadas, têm de ter histórico ambiental. Elas tiveram de apresentar os currículos dos participantes dos projetos e só aprovamos os com equipes técnicas qualificadas”, explica.

Balanço

De maneira geral, as propostas aprovadas tratam de temas como gestão dos recursos hídricos, recuperação de mata ciliar, recomposição de matas, conservação de cetáceos, aves marinhas e corais, ambiente urbano, entre outros. A maioria deles prevê ações de educação ambiental, com a distribuição de cartilhas, vídeos e materiais para a conscientização. Dos 36 projetos escolhidos, 12 são pequenos (até R$ 900 mil), 10 médios (até R$1,8 milhão) e 14 grandes (até 3,6 milhões). Antes de serem contempladas, as propostas passaram por quatro fases de avaliação: triagem administrativa, técnica, comissão de seleção e conselho deliberativo – responsável pela última instância das análises.

A ambientalista Maria Tereza Jorge Pádua, da Comissão Mundial de Parques Nacionais da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN – sigla em inglês) e colunista de O Eco, diz considerar “reprovável” a composição do conselho que avaliou os projetos na última etapa. O grupo é formado por membros da Petrobras e outros quatro convidados, que representam o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), a Universidade Federal do Espírito Santo e a Secretaria-Geral da Presidência da República. “Deveria ser uma equipe maior para tanto dinheiro envolvido. Além disso, quem decidiu os vencedores? Basicamente o governo”, comenta. A ambientalista ressalta ainda que alguns dos projetos que receberão mais recursos são, precisamente, os de caráter mais político.

Maria Tereza estima que, do total de aprovados, 15 projetos têm boas probabilidades de serem bem sucedidos, 14 tendem a não dar certo e 7 são de difícil prognóstico. Para fazer a divisão, a ambientalista se baseou no histórico das entidades envolvidas e em seus representantes. “Os que prevêem a distribuição de cartilhas, DVDs e livros, por exemplo, a gente sabe que não vão dar certo. Podem até sensibilizar a população, mas não vai educar. A educação ambiental tem de ser formal, um trabalho a longo prazo. Caso contrário, é jogar dinheiro fora”, alerta, ao ressaltar que o maior defeito das propostas é justamente o excesso de ênfase e de investimento em educação ambiental.

Ela lembra que os projetos de menor sucesso na história do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), são os de educação ambiental que, também, foram os que “mais se prestaram a mau manejo dos recursos.” Suzana Pádua, doutora em Educação Ambiental e também colaboradora do site, discorda. “Não acredito em projetos de conservação sem educação ambiental, que considero a base para tudo. Quando se unem as duas coisas, a conservação tem chance de vingar, de ganhar até valores maiores.”

Socio-ambiental

Justiça seja feita, algumas das propostas contempladas pelo programa são estritamente ambientais. Mas muitos estão longe de ter conservação como prioridade. A reportagem de O Eco selecionou alguns casos. Com lugar garantido no grupo dos aprovados, o projeto Cultivo de Macrolagoas Marinhas dos gêneros Gracilaria e Hypnea no litoral do Estado de Pernambuco, da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco (Fade/UFPE), é exemplo típico de que a Petrobras valorizou o social na escolha dos agraciados.

Basta ler a descrição do projeto enviado a O Eco pela empresa para entender quais as intenções dos proponentes: “viabilizar o cultivo de macroalgas marinhas dos gêneros Gracilaria e Hypnea (Rhodophyta), em áreas protegidas por recifes, visando a criação de emprego e renda para a população das praias selecionadas”. Ranilson Bezerra, professor do departamento de bioquímica da UFPE e coordenador do projeto, explica que a idéia central é ajudar famílias de pescadores que têm sofrido com a diminuição do número de peixes na região.

O plano é treinar, em dois anos, 90 jovens para o cultivo das algas, que serão vendidas para indústrias alimentícias e de cosméticos em São Paulo. As famílias receberão, por três meses de treinamento, bolsas de R$ 200. O dinheiro da Petrobras também vai para compra de equipamentos, incluindo os módulos (as estruturas em que as algas são produzidas) de cada participante. O ganho ambiental é indireto: vem da regeneração do meio ambiente marinho, com o crescimento do número de peixes e outros animais a partir da maior oferta de alimentos.

Também atua com pescadores um projeto da Coppe/UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), selecionado pelo programa. Os pesquisadores atuarão na Reserva Extrativista (Resex) Marinha de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos. A proposta é aliar conhecimento científico e tradicional na formulação de um plano de gestão da Resex. O orçamento pedido pela Coppe quase bate no teto estabelecido pela Petrobras– o projeto receberá 2,7 milhões de reais. Prevê desde atividades de pesquisa, com a implantação de um programa de pós-graduação na região, até a realização de oficinas de educação ambiental com os moradores da Resex.

O autor do projeto, o engenheiro Antonio Marcos Carneiro, acredita que a proteção efetiva da natureza deve passar pelo socio-ambientalismo. Para ele, as formas tradicionais de conservação aplicadas ao longo do século 20 não tiveram o sucesso esperado, o que resulta numa mudança de paradigma. “A visão clássica não atende mais aos problemas. Hoje, é preciso levar em conta a presença humana na preservação do ecossistema. Nesse sentido, as Resex são um avanço”, diz ele.

No Paraná, outro projeto centrado em educação ambiental, que dá somente pinceladas em questões conservacionistas. Águas em Movimento, da Associação Regional da Cooperação Agrícola do Contestado (Arca), em parceria com outras cinco entidades, visa capacitar 1.785 famílias de assentados de reforma agrária, posseiros e agricultores familiares, para que utilizem os recursos hídricos de maneira sustentável. No plano de ação da proposta, está a construção de seis cisternas (sistemas de captação e armazenamento de água de chuva) e 29 unidades demonstrativas de biofossas.

O projeto prevê a recuperação de 150 hectares de Área de Preservação Permanente (APA), além do plantio de 300 mil mudas nativas e do incentivo de práticas agroecológicas. “Daremos apoio a 290 famílias, que receberão sementes de adubação verde para a recuperação dos solos e a conseqüente não utilização dos adubos químicos”, relata Valdenir do Santos, assessor-técnico do projeto, que está orçado em 2,2 milhões de reais. Com essa quantia, os proponentes pretendem ainda promover o resgate histórico, cultural, religioso e espiritual das minas, nascentes e olhos d’água por onde o Monge João Maria, símbolo da Guerra do Contestado, parava para descansar, pregar, benzer e batizar seus fiéis e seguidores. O projeto será desenvolvido nas áreas de influência da Petrobras.

Também na linha sócio-ambiental, o projeto Mutirão das Águas, do Conselho Nacional dos Seringueiros (CSN), promete atuar na sustentabilidade da área de influência do gasoduto Coari-Manaus, contando com o aumento da participação popular nas discussões sobre a gestão dos recursos hídricos. Além da realização de cursos e treinamentos, a proposta inclui, mais uma vez, a geração de renda e melhoria de qualidade de vida das comunidades do entorno.

Questionado sobre a expectativa do projeto em relação à conservação, Manoel Silva da Cunha, presidente do CSN, explica. “A perspectiva é grande. Estamos num momento em que algo precisa ser feito. O efeito estufa está engrossando, o mundo aquecendo e o planeta Terra precisando de ajuda. Como rebater essa situação que está nos cercando, lentamente, como uma cobra gigante, associado à sustentabilidade da vida dos povos tradicionais? É esta resposta que pretendemos obter com o projeto.”

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