Na coluna da semana passada, a pretexto de falar sobre o sentido do direito de propriedade na conservação ambiental, parte do debate de regras e instituições, tão caro, hoje, aos economistas e ambientalistas, o exemplo empregado foi o sistema de autoria de vias de escalada. Ele tem muitas semelhanças com o direito de propriedade formal, que aceitamos para terra, imóveis, objetos e até os intangíveis direitos intelectuais. O cerne da idéia é que o direito de propriedade, no jargão dos economistas, internaliza, os custos e benefícios da administração dos recursos, inclusive os naturais, incentivando seus donos a usá-los da maneira que maximize o seu valor.
Essa coluna não é sobre escalada, é sobre os insights da economia que podem ajudar a conservação ambiental. Mas a carta bastante zangada do leitor Pedro Lima-e-Silva repercutindo a última coluna e denunciando as más práticas ambientais dos escaladores, motiva a voltar ao assunto. A questão é boa, até porque os escaladores, como outros esportistas da natureza, devem ser os maiores interessados na sua preservação e, logo, igualmente preocupados em entender alternativas de mecanismos para protegê-la.
A carta levanta duas questões. A primeira é a degradação, por excesso de vias de escalada, da vegetação de encosta do Morro da Babilônia, no bairro da Urca, Rio de Janeiro. De novo, a questão principal desse espaço não é o problema em si, mas a sua aplicação em situações semelhantes.
Uma via de escalada é um caminho na rocha, marcado por grampos de aço espaçados. Seu autor é aceito, pela comunidade dos usuários, os escaladores, como o seu dono. Ou seja, dono do traçado que criou na pedra, e não da pedra. Por isso, esse mecanismo gera bom incentivo para que os grampos sejam bem mantidos e só. Nenhum autor de via, o chamado conquistador, quer que alguém se acidente na sua via ou considere seu trabalho mal feito. Seria um atestado de irresponsabilidade e incompetência. Mas esse sistema não é eficiente para proteger a vegetação e acessos das encostas.
Apesar do interesse dos clubes de montanhismo em preservação ter motivado, através da Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro (Femerj), a criação de um código ético de mínimo impacto para evitar excessos na conquista de vias, não há poder de polícia para implementá-lo. A única forma de punição é o repúdio da comunidade pelos seus infratores. O morro da Babilônia é público e dependemos de instituições públicas para defender a sua conservação. Se tivesse um dono privado, muito provavelmente, o acesso a ele seria restrito. Nessa hipótese, ele provavelmente impediria a degradação de acessos e da vegetação da encosta, pois isso diminui o valor da sua propriedade. Quase certamente, a escalada e passeios por lá seriam cobrados ou impedidos.
Mas o Morro da Babilônia é público. Essa é a forma de garantir o acesso barato a todos e definir de maneira coletiva como deve ser usado. Mas para funcionar dessa forma, é preciso agências públicas eficientes, o que não é o caso. Elas quase sempre chegam depois do crime cometido, no caso, depois que os recursos naturais foram degradados ou destruídos. Considerando a conservação típica dos bens públicos no Rio de Janeiro e no Brasil, imagine qual seria o estado de conservação do Bondinho do Pão de Açúcar se ele fosse estatal? Esse símbolo do turismo carioca é uma concessão a uma empresa privada. Ele é caro, mas funciona e atrai muitos usuários.
Isso remete a segunda questão da carta. Ela acusa a Femerj de ter conspirado para limitar o acesso à trilha do Costão do Pão de Açúcar, tornando muito mais difícil uma passagem que antes permitia (com riscos consideráveis para aqueles sem equipamento de segurança) o uso do caminho por montanhistas ocasionais e pelo público em geral. Até então, o Costão era um acesso fácil para qualquer pessoa em boa forma física de sair da base e chegar ao topo do Pão de Açúcar, onde a concessionária do bondinho concedia gratuitamente o seu uso para a descida. O maior obstáculo da trilha era um paredão de pedra, chamado por muitos de trepa-pedra, porque era fácil de escalar. Era assim, até que se levantou a hipótese de que o totem, um enorme bloco de pedra bem no meio do paredão, pudesse cair. E, com o apoio e laudo da Geo-Rio, ele foi demolido. Depois disso, essa passagem tornou-se uma escalada muito mais difícil e técnica, limitando o uso da trilha até o cume aos escaladores treinados e equipados.
A coluna não tem informações e, logo, opinião formada sobre o episódio. Mas não seria surpresa, tratando-se de Brasil, que o útil tenha se unido ao agradável. Ou seja, de fato, a pedra removida tivesse risco importante de cair, mas, dentre as soluções possíveis, retirá-la tenha servido a dois propósitos adicionais. Ao desejável, de impedir a degradação da trilha, e ao elitista, de garantir seu uso apenas aos usuários tradicionais e iniciados.
Se foi assim, perdeu-se a oportunidade de uma solução muito melhor para proteger a trilha, limitando seu uso ao número de usuários que ela comporta, sem degradá-la. Melhor ainda, levantando recursos para mantê-la um brinco. Essa alternativa seria cobrar pelo uso da trilha do Costão do Pão de Açúcar. Não pagamos para ir ao cinema e comer pipoca? Não compramos os equipamentos necessários ao montanhismo? Tudo que é escasso deve ser racionado de alguma maneira. No fundo, existem duas grandes linhas para fazê-lo. A primeira é criar um sistema de quotas, baseado em regras sobre quem pode usá-la. Isso gera fila e quase sempre privilégios odiosos. A outra forma, é cobrar pelo uso, achar um preço que equilibra a capacidade do recurso com a sua quantidade demandada. Essa é a forma mais eficiente, além de menos elitista. O número de usuários da trilha cairia e haveria receita vinculada a ela para a conservação. O uso direto desse dinheiro, também permitiria manter a trilha aberta ao uso de um número de montanhistas maior do que a conservação “espontânea”, isto é, pelo pouco uso. Outro objetivo louvável seria garantir a renda de muitos escaladores profissionais, que também guiavam grupos de turistas pelo Costão.
Ampliando a discussão, vale lembrar que nos nossos parques nacionais e estaduais, a solução de fechamento de trilhas e outras amenidades naturais é cada vez mais usado, por falta de recursos para mantê-las. Um exemplo rápido que vem a mente, é o fechamento para o público, exatamente por essa razão, da trilha Rebouças-Maromba, que liga o Parque Nacional de Itatiaia a Mauá. A discussão acima, serve para oferecer uma alternativa que permite o uso dessas amenidades pela população, sem privilégios e com preservação.
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Pegurier, posso lhe mandar uma cópia da denúncia que fiz ao MP, onde você poderá ver os e-mails postados ma lista da FEMERJ. Depois de ler, você pode tirar suas próprias deduções. Nunca vi um crime ambiental tão escancarado e desprezado pelos envolvidos. OS alpinistas da FEMERJ e associados, não todos mas muitos, se sentiam (ainda se sentem?) "superiores" aos cidadãos comuns, donos das pedras. A cultura da impunidade no Brasil se espraia por toda parte, e os montanhistas a usam e abusam, alguns até acredito sem consciência do que estão fazendo. Sou montanhista, escalador e especialista em impactos ambientais, para azar de alguns, além de especialista da CNEN em impactos ambientais. Já fiz trabalhos para o MPF, para o IBAMA e para projetos internacionais. Sei muito bem do que estou falando e desafio qualquer um a um debate sobre este episódio sórdido da história do montanhismo no Rio de Janeiro.
O alegado "laudo da GeoRio nunca apareceu. Ele não existe, foi uma criação da FEMERJ para justificar a destruição do Totem. O Totem estava lá há milhares de anos e milhares de pessoas dos mais diversos tamanhos e pesos já passaram por ali, e nunca houve qualquer movimento das pedras. Cada pedra derrubada, segundo as reportagens pesavam 3 toneladas. Como uma pessoa poderia mover 3 ton de pedra apenas pisando nela? Um crime que ficou impune, mais um neste país que é um oceano de impunidades. O que eles disseram evitar, acidentes, foi exatamente o que aconteceu DEPOIS da destruição do Totem! E um mundo de pessoas que eles queriam evitar é exatamente o que acontece hoje, ou seja, destruíram parte do Pão de Açúcar inutilmente. A solução proposta por você, Eduardo, era o que eu estava tentando em 2004 com os militares quando recebi a notícia da destruição. Se o MP quer que se obedeça à Lei, que exigisse que pelo menos o grau de dificuldade da subida seja restaurado.