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Cifras que protegem

As técnicas de valoração usadas na economia ambiental podem ser frias, mas muitas vezes justificam verbas tão necessárias para a preservação ecológica.

20 de maio de 2005 · 19 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Como valorar parques criados para a proteção ambiental? Não é um problema fácil de resolver. Em geral, os tesouros lá protegidos não têm preços de mercado, na medida em que a sociedade gera para os produtos e que os economistas usam quando fazem seus cálculos.

O PIB anual de um país, por exemplo, é calculado levando-se em consideração todos os bens e serviços finais medidos a preços de mercado durante esse período. Como as transações de mercado são voluntárias, os preços que emergem da barganha entre consumidores e produtores de um bem espelham o valor social do mesmo.

Trocando idéias com Pedro Menezes, colunista de O Eco, entrei em contato com o australiano Nicholas Conner, economista-chefe do Serviço de Parques Nacionais de New South Wales, na Austrália. Ele me mandou vários de seus estudos que aplicam a abordagem econômica a temas como impacto de áreas protegidas, proteção de biodiversidade e valor recreativo de áreas preservadas. Nos artigos de Conner também descobri o ótimo site Ecosystem Valuation, onde se encontra uma introdução muito bem feita sobre o assunto.

Fiquei impressionado com a qualidade e a clareza com que são escritos os estudos de economia ambiental australianos, tornando os conceitos que os embasam acessíveis ao leitor não técnico. Um deles fala sobre o valor recreativo dos parques nacionais do estado de New South Wales. Trata-se de um componente importante do dia-a-dia dos parques e estimar seu valor ajuda a justificar os gastos governamentais nos mesmos.

A técnica de valoração usada pelos especialistas australianos foi o método de custos de viagem. O conceito central da abordagem está baseado na premissa que os visitantes de um parque consideram os custos de transporte até ele de forma semelhante ao preço de uma entrada. A relação deve ser inversa: quanto maior os custos de transporte até o parque menor o número de visitantes. Coletando-se dados sobre o local de origem dos visitantes e, logo, seus gastos com transporte, é possível construir uma medida de valor que eles atribuem à visita e, no fim, obter uma medida do valor recreativo do parque. Os custos de viagem funcionam como uma declaração – com o bolso, mais confiável do que as feitas de boca – sobre quanto vale a satisfação de ir aos parques.

Eis alguns resultados para parques de New South Wales. O Dorrigo National Park de 11.871 hectares, visitado por 160 mil pessoas por ano, teve o seu valor recreativo anual avaliado em cerca de US$ 4,1 (5,5 milhões de dólares australianos). O Minnamurra Rainforest Centre tem 5.846 hectares. Ele fica a uma hora e meia de Sidney e recebe 140 mil visitantes por ano — equivalente a US$3 milhões em uso recreativo. A ilha de Montague, uma reserva de 81 hectares localizada a 350 quilômetros de Sydney recebe por ano 4.300 visitantes. Valor recreativo estimado de US$480 mil.

Essas estimativas são conservadoras, porque, entre outras coisas, não consideram gastos com acomodações e comida nas viagens. Mesmo assim, são valores substanciais. Indicam o quanto a população valoriza os parques e, por isso, o quanto deveria ser gasto em preservação.

Os ecologistas costumam resistir a valorar a natureza em reais ou dólares. Afinal, eles têm uma preferência mais forte pela preservação ambiental do que a maioria das pessoas. Outros apontam para a dificuldade de valorar aspectos biológicos de uma floresta, cuja importância ou uso ainda não conhecemos. Existem ainda aqueles que simplesmente rejeitam uma visão antropocêntrica da natureza, a qual deveríamos reverenciar independentemente dos serviços que presta aos seres humanos.

Os métodos de valoração ambiental não decidem sempre pela natureza. Às vezes, eles levam a conclusão que uma fábrica vale mais que uma floresta. Não dá para ganhar sempre. Mas, como mostram os números acima, se recorressem a eles, os ecologistas ficariam surpresos com a quantidade de vezes em que poderiam justificar a proteção ou obter aumentos de verbas dedicadas ao meio ambiente.

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