Por muito tempo, três setores caminharam em percursos quase que independentes: o governo (1º setor); as empresas (2º setor); e as organizações de fins ideais (3º setor), conhecidas como não-governamentais (ONGs). Os interesses de cada um pareciam competir com aqueles dos demais e a integração quando ocorria, era de maneira esporádica.
Não são poucas as ocasiões em que o governo tem demonstrado certa irritação com as ONGs por estarem assumindo papéis que seriam de sua responsabilidade. Mesmo sem querer admitir abertamente que esta pode ser uma reação à sua própria ineficiência, não é difícil perceber as falhas do setor público em suprir à sociedade de suas necessidades relacionadas à saúde, à educação e ao meio ambiente.
As ONGs, por sua vez, em geral são lideradas por empreendedores que têm como característica comum não se conformarem com injustiças, iniqüidades e com perdas do patrimônio natural. As ONGs traçam objetivos e se empenham em realizar as missões que identificam como importantes para minimizar os males das questões que optaram por trabalhar. É comum faltar a essas organizações o profissionalismo que, por exemplo, rege o mundo empresarial. Mas são movidas por valores e por paixão, características fortes o suficiente para impulsioná-las a realizarem as tarefas a que se propuseram, muitas vezes maiores do que se poderia supor ser possível.
Já as empresas, por muitos anos pareciam traçar rumos próprios, interferindo o mínimo possível com o setor governamental, até por questões de impostos e exigências de funcionamento que por vezes representavam despesas adicionais. Também parecia comum a desconfiança dos empresários em relação ao terceiro setor, pois as ONGs sérias comumente se perdiam em meio às muitas de qualidade duvidosa. Mas, aos poucos empresas comprometidas em contribuir para um mundo melhor apareceram e, cada vez mais, emergem com compromissos palpáveis e consistentes que demonstram sua responsabilidade socioambiental. Muitas criaram dentro de suas próprias empresas fundações ou instituições de apoio a projetos. Na área ambiental uma pioneira foi a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, que há 15 anos apóia projetos de conservação ambiental em todo o território nacional.
Cabe ressaltar o papel estimulante de dois estrangeiros ao influenciar positivamente o mundo empresarial e o das ONGs no Brasil. O primeiro chama-se Stephan Schmidheiny, criador da AVINA, organização que apóia 193 líderes parceiros com projetos nas áreas socioambientais no País. Schmidheiny tem um passado comparável ao Rei Midas, pois sua facilidade em criar riquezas é inegável e as empresas de sua família tornaram-se impérios, apesar de sua coragem em descontinuar produtos nocivos ao meio ambiente. Aos trinta e poucos anos, este Suíço era responsável por mega patrimônios particulares, mas seu brilho maior ainda estava por vir. Fundou a AVINA em 1994, para compartilhar sua riqueza com aqueles que considera empenhados em mudar o mundo para melhor. Escolheu a América Latina como região para seu envolvimento e criou mecanismos de integração entre o mundo das ONGs e o empresarial, na certeza de que um se enriquece com o outro, rendendo resultados muito além de conquistas materiais. Seu status de executivo bem sucedido abre portas para diálogos com o empresariado brasileiro, o que propicia trocas estimulantes com quem comung a de posturas éticas e solidárias.
Um companheiro seu, o Norte-Americano Bill Drayton, há 25 anos atrás criou uma fundação chamada Ashoka. Convencido de que são empreendedores socioambientais os responsáveis pelas transformações do mundo, a Ashoka oferece bolsas aos líderes que cuidadosamente identifica, para que possam se dedicar integralmente à realização de seus sonhos, sempre beneficiando a coletividade. A Ashoka está em 52 países e só no Brasil apóia 238 ’fellows’, ou líderes, que desempenham papéis de grande relevância nas áreas de educação, discriminação racial, gênero, saúde e meio ambiente.
Recentemente, Bill Drayton esteve no Brasil e proferiu palestra onde mostrou que o setor que mais cresce no mundo é o de organizações cidadãs, como chama o mundo das ONGs. Bill evita termos como não-governamentais, ou sem-fins lucrativos, pois considera importante dar a essas organizações a conotação positiva que essencialmente representam e merecem. Os dados que coletou indicam que, quando comparados ao setor empresarial ou até mesmo às igrejas, é o terceiro setor que hoje lidera o crescimento, tanto em número de pessoas quanto em quantidade de recursos financeiros que movimenta.
A grande força que se percebe na atualidade, e é aí que está a boa notícia, é a integração do mundo empresarial com o das organizações socioambientais. A objetividade e a eficiência em traçar metas alcançáveis de um e a motivação de se trabalhar por paixão por causas que beneficiam a vida como um todo do outro se tornam imbatíveis quando se integram. Juntos, estes setores estão suprindo muito das necessidades básicas da humanidade e da natureza.
Mesmo em níveis internacionais, os governos vêm decepcionando o públic o, uma vez que na maior parte das regiões do planeta não têm sido capazes de responder às necessidades cada vez mais prementes. Já o mundo empresarial, responsável por grande parte do crescimento econômico e financeiro, hoje também tem atuado com contribuições socioambientais. São cada vez mais freqüentes os casos de empresas assumindo responsabilidades com seus funcionários, com as comunidades onde estão inseridas ou mesmo com determinadas causas que beneficiam muitos. Finalmente, o terceiro setor é o que mais se empenha por mudanças socioambientais, indispensáveis a um mundo mais harmônico. Enfrenta, no entanto, desafios ligados à busca de recursos que garantam a continuidade de seus projetos.
O ideal seria a integração de todos, mas este é um caminho a ser trilhado paulatinamente. Pelo menos dois setores vêm se juntando com maior assiduidade. Em um movimento promissor, o mundo empresarial e o das ONGs vêm se mesclando e trabalhando por ideais comuns.
No Brasil, até pouco tempo, não se tinha muitas notícias de empresários exercendo responsabilidades socioambientais. As exceções incluíam excêntricos que agiam por motivações próprias. É este cenário que está, afortunadamente, mudando.
Por ser do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, uma organização de fins ideais, não posso deixar de relatar experiências recentes que vêm contribuindo para um ‘upgrade’ da instituição. O primeiro, foi um encontro com o empresário Juscelino Martins, encontro este até hoje lembrado como memorável porque representou um desafio que resultou em uma parceria que, creio ser fonte de orgulho para todos. O Grupo Martins, sem tentar influenciar os objetivos do IPÊ, embarcou em um sonho de implementar um barco-escola na Amazônia, que funciona continuamente nas margens da Estação Ecológica de Anavilhanas, junto a comunidades ribeirinhas.
O segundo exemplo foi com as Havaianas (Alpargatas). Ao estamparem espécies ameaçadas em sandálias vendidas nacional e internacionalmente, as Havaianas ajuda o IPÊ em sua missão de educar e popularizar as espécies brasileiras, primeiro passo para despertar no grande público interesse, orgulho e vontade de proteger nosso patrimônio natural. As Havaianas dão ao IPÊ um percentual sobre o lucro de vendas e como disse seu diretor, Paulo Lalli (recentemente convidado a se associar a Natura), quando se junta gente séria e comprometida com idéias criativas, os resultados são sempre melhor do que o esperado.
Finalmente, o terceiro exemplo diz respeito a uma parceria com a Natura para a construção de um campus onde será oferecido um programa de pós-graduação em conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável. Guilherme Leal, juntamente com os demais donos da Natura, estão agora com o IPÊ desenvolvendo um centro que será construído em local de rara beleza em Nazaré Paulista, São Paulo. Lá o aprendizado será por meio de conhecimentos teóricos associados à prática e abordagens eminentemente interdisciplinares.
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