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No rumo errado

A velha batalha do desenvolvimento econômico contra a preservação ambiental inicia um novo round. O pivô da vez é o agronegócio na região da Amazônia.

3 de janeiro de 2005 · 20 anos atrás

Segundo a pesquisa de tendências demográficas, divulgada esta semana pelo IBGE, o Brasil está mudando, ou melhor, migrando. Até ai, nada demais. O problema é que o Brasil está migrando justamente para o Arco do Desmatamento, uma de suas mais delicadas e conturbadas regiões, às margens da Amazônia Legal.

Enquanto o governo comemora isso como o sucesso do agronegócio, com o qual pretende levar o país ao tão esperado milagre do crescimento, é bom que alguém comece a se preocupar, desde agora, com os problemas ambientais que isso causará. Até porque, ao que tudo indica, e o Ministro da Agricultura anuncia, os planos do governo são de justamente deixar as rédeas soltas para a entrada da agropecuária na Amazônia.

Para quem vive no Rio é fácil visualizar o impacto que o crescimento populacional provoca quando se dá às margens de áreas naturais. Em geral, os migrantes são em sua maioria pessoas de baixa renda, em busca de melhores condições de vida e emprego. Essas pessoas, em geral, não habitarão centros urbanos – com um custo de vida mais alto –, mas irão para o entorno das cidades, viver sem condições adequadas de saneamento e moradia, em terrenos onde, havendo alguma vegetação, a “limpeza” será feita com fogo.

É assim, e de variadas outras maneiras, que o crescimento populacional é, sempre, sinônimo de degradação ambiental. Some-se a isso o fato de que estas pessoas estão migrando, com os olhos na expansão da agropecuária, para uma região onde a degradação ambiental já é maior do que qualquer limite aceitável e as autoridades mostram-se incapazes de fazer qualquer coisa para amenizar, que seja, o problema, e tem-se uma catástrofe anunciada. A fiscalização na região amazônica é internacionalmente conhecida por sua inaptidão em controlar e coibir a sua devastação, mesmo com o número ainda relativamente reduzido de habitantes que hoje lá se encontram. A chegada de cada vez mais gente só pode piorar a situação.

Apesar disso, temos o Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Sr. Roberto Rodrigues, comemorando. Segundo ele, é preciso que o agronegócio brasileiro se expanda, mesmo que às custas da degradação ambiental. A culpa pelo lento crescimento do setor, diz, deve-se em parte à legislação ambiental brasileira, que é por demais rígida e precisa ser flexibilizada. Isso vindo da boca de quem supostamente entende do assunto, e fala com a autoridade de quem comanda um Ministério, preocupa. Conjugada com a tendência natural do brasileiro de “flexibilizar” a lei à sua própria maneira, é quase apologia do crime.

Pelo seu currículo, divulgado na página do próprio Ministério da Agricultura na internet, vê-se que o Ministro há muito está engajado na questão da agropecuária. É engenheiro agrônomo, com aperfeiçoamento em administração rural; é e foi membro de inúmeros conselhos, tanto no Brasil quanto no exterior, inclusive da ONG ambientalista WWF; é empresário rural em São Paulo e no Maranhão; e suas condecorações são inúmeras. Vale a pena ler a interminável lista de títulos e menções honrosas.

Talvez por isso mesmo seja tão estranho ouvir dele tais comentários. Convenhamos que o Brasil precisa mesmo é que o governo se ocupe de aplicar a lei, de preferência com rigor, pois flexibilizá-la é a especialidade e a atividade favorita de quase toda a sociedade. As estatísticas de desmatamento na região amazônica não mentem.

Por outro lado – por falta de uma explicação mais elaborada por parte do Ministro sobre as razões de sua declaração –, só podemos supor que ele esteja se referindo à necessidade de expandir cada vez mais as áreas dedicadas à agropecuária ou ao supostamente excessivo rigor da Lei de Biossegurança – burlada por três medidas provisórias que o governo aprovou para agradar a bancada ruralista, antes mesmo de sua promulgação. Nenhum dos dois é verdade.

Os mais recentes estudos realizados pelo IBGE e pela ONG Imazon, o Brasil tem muito mais terras desmatadas e aptas à produção agropecuária do que consegue aproveitar. Segundo o Censo Agropecuário elaborado pelo IBGE em 1996, o Brasil possui, apenas na região amazônica, cerca de 165 mil quilômetros quadrados de áreas desmatadas e abandonadas. Isso corresponde a cerca de um quinto do total das áreas daquela região que foram modificadas pelo homem para a produção. No Brasil inteiro, as áreas produtivas modificadas e não aproveitadas somam mais de 16 milhões de hectares.

Não se pode esquecer, ainda, que estudos realizados pela ONG Imazon-Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia mostra um quadro inteiramente desfavorável na região para a agricultura. O solo não é bom, chove demais e a produtividade é baixa. Com relação à pecuária, o mesmo estudo também não é nada animador: a média de cabeças de gado por hectare de pasto é de apenas 0,5 e a produtividade é das piores.

É preciso que a Amazônia não se transforme em outro Vale do Paraíba que, em poucas décadas do século XIX, acabou com toda a mata atlântica que ali existia em nome do agronegócio, então representado pelas lavouras de café. Hoje não resta nada. Quem vai do Rio para São Paulo hoje não vê uma lavoura sequer. É difícil até ver uma vaca.

O esperado crescimento da produção agropecuária brasileira não é incompatível com a sua legislação ambiental. Muito pelo contrário. A principal responsável pelo lento desenvolvimento econômico nacional é a falta de informação e, em última instância, de educação. Não adianta colocar a culpa no rigor da lei, que é mais do que necessária por aqui. Chega de achar que aqui as leis não colam. O que n~eo deveria colar mis é a mentira, principalmente a oficial.

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