A indústria mundial de seguros tem que se adaptar aos efeitos presentes e futuros das mudanças climáticas, ou corre o risco de quebrar. Quem adverte é a Lloyd’s, uma das maiores companhias do ramo no mundo, que acaba de lançar o primeiro de uma série de relatórios que compõem um programa denominado “360 Risk Project”, que se propõe a colocar em debate temas fundamentais para a indústria securitária.
Ano passado, alerta o relatório, em letras garrafais, desastres naturais mataram 97 mil pessoas e custaram para as seguradoras 83 bilhões de dólares. Um recorde histórico. A preocupação, portanto, não é sem fundamento. O título desse primeiro relatório — “Climate Change: Adapt or Bust” ; adapte-se ou quebre — reflete bem o que esse quadro, que tende a piorar, significa para o setor.
Os níveis do mar mais elevados e a temperatura das águas mais elevadas no Golfo do México, por exemplo, têm conduzido a um aumento no número e na intensidade dos furacões que atingem os Estados Unidos, uma considerável fonte de prejuízo para as seguradoras. Por isso, diz o relatório da Lloyd’s, o setor precisa agir imediatamente para “criar sistemas de avaliação de riscos que se mantenham atualizados com as últimas descobertas científicas” sobre mudanças climáticas e investir na prevenção — segundo o relatório, investindo na redução das emissões de CO2 e na redução da concentração demográfica em áreas de risco, “como as zonas costeiras”.
O relatório é dividido em 6 capítulos, por assim dizer: gases do efeito estufa; temperatura dos mares; nível dos mares; temperatura do ar e da terra; chuva e neve; e instabilidade climática. Em cada um deles, há uma breve explicação do problema e dos seus efeitos para o setor, bem como propostas de o que fazer para evitar maiores prejuízos.
O que o relatório não diz, contudo, é o quanto disso vai ser repassado aos consumidores em termos de preço. E talvez isso ainda nem esteja definido. Mas que alguma forma de repasse ocorrerá, quanto a isso não pode haver dúvidas. E nem se pode dizer que isso seria inesperado.
Todo contrato é celebrado diante de um determinado conjunto de condições, dentro do qual cada uma das partes avalia seu interesse em assumir, ou não, as responsabilidades ali representadas. Com o contrato de seguro não é diferente. Antes de contratar, o consumidor avalia a sua necessidade de adquirir a cobertura oferecida pela seguradora, o preço que terá que pagar por isso, suas obrigações e benefícios. A seguradora, por sua vez, avalia o perfil do consumidor, os riscos a que ele está sujeito e fixa um preço dentro do qual aquela relação jurídica se torna interessante. Se ambos estiverem de acordo, o contrato será assinado e, enquanto tais condições foram mantidas, ou, no máximo, modificadas dentro de um determinado limite previsível, o contrato estará em equilíbrio. É mais ou menos isso, em síntese, que em direito se chama “equilíbrio contratual”.
Em determinados casos, quebrado esse equilíbrio por fatores excepcionais, inesperados e imprevisíveis, pode-se desfazer o contrato.
Como ficarão, portanto, os contratos de seguro diante do aumento desproporcional dos riscos trazidos, por exemplo, por temporadas de furacões cada vez mais violentas para imóveis e pessoas segurados contra esse tipo de sinistro? Será que isso era inesperado ou imprevisível?
O diretor da Lloyd’s, Rolf Tolle admitiu, em declaração publicada na página da própria empresa que “embora faça, quase duas décadas desde que a ONU reconhece que a as mudanças climáticas são uma ameaça catastrófica para a Terra, é claro que a indústria dos seguros não levou suficientemente a sério tais ameaças”. Como tal repasse será feito e como a indústria dos seguros responderá a um alerta desses, dado por um de seus mais poderosos membros, ainda é cedo para dizer. Mas se a Lloyd’s estiver certa e suas expectativas se confirmarem, os atuais contratos de seguros podem entrar em breve nas listas de espécies ameaçadas de extinção.
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