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A manifestação dos funcionários do esquartejado Ibama contra a malfadada Medida Provisória nº 336/07 na noite de abertura já era um prenúncio de que as coisas tendiam a esquentar no V Congresso Nacional de Unidades de Conservação (CNUC). Afinal de contas, quando se reúnem mais de mil e setecentas pessoas para debater questões que a grande maioria delas trata não como um mero hobby ou um trabalho, mas com uma fonte de grande envolvimento pessoal e paixão, essa tendência é mais do que natural. Mas aquela manifestação não preparou a todos adequadamente para o banho de água fria que estava por vir no dia seguinte, com a palestra de abertura oficial do evento, dada pelo Ministro Antônio Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em pouco mais de uma hora, Herman Benjamin fez, com a autoridade que tem como poucos no assunto, um retrato contundente do que é hoje, na prática, o direito ambiental no Brasil, com todos os seus entraves, mazelas e desvios. Mesmo se esquivando compreensivelmente de temas polêmicos e controversos, ele distribuiu pelo meio do caminho, sem dó, puxões de orelha e dedos nas feridas e ainda lançou, aqui e ali, alguns novos conceitos e denúncias.
Denunciou, por exemplo, a “feudalização” dos recursos naturais brasileiros através da entrega de grandes áreas públicas e unidades de conservação a determinados grupos, cujas peculiaridades podem legitimar a muita coisa, mas não ao espólio do que a Constituição Federal chama de “bem de uso comum do povo”. Se a prática não é nova — tendo apenas se agravado muito no governo Lula e já sido alvo de tantas colunas aqui em O Eco — o nome é. Mas deveria se tornar definitivo. Isso porque expõe claramente, para os que ainda tinham dúvidas, o retrocesso social e ambiental que o populismo barato vem provocando no Brasil.
Com esse quadro, Herman Benjamin obrigou-nos todos a colocar os pés no chão e perceber o gigantesco abismo que separa o abrangente emaranhado de normas ambientais brasileiras da árida realidade de despreparo e corrupção daqueles encarregados de aplicá-las; de ver que os únicos projetos de lei ambiental — em sentido amplo, por favor, de norma — que tramitam em caráter de urgência no Legislativo e no Executivo são aqueles destinados a derrubar ou flexibilizar dispositivos e punições que “atrapalham o desenvolvimento do país”; e, o que é mais importante, de perceber que isso tudo é muito mais do que “denuncismo” vazio de eco-terrorista xiita — porque esse tipo de discurso, vindo de qualquer um, é muito bonito e pode até ser cheio de conteúdo, mas sempre deixa aquele incômodo de pulga atrás da orelha, aquele espaço para dúvida sobre até que ponto vai a verdade e o quanto daquilo é exagero.
Nesse caso, não. Nesse caso, não cabe dúvida ou questionamento, porque não é palpite, é vivência. E, assim, muita gente, eu inclusive, saiu da conferência com aquela sensação de estômago embrulhado que se tem depois daqueles filmes muito bons mas muito pesados, que muitas vezes são mais reais do que a própria realidade (o pessimismo, aliás, tem sido a tônica da maioria das palestras ocorridas até agora no evento, exceto, evidentemente, daquelas dadas por alguns estrangeiros e pelos representantes do governo, que aparentemente vem fazendo um excelente trabalho de esconder suas magníficas conquistas dos demais participantes).
Ainda bem, portanto, que conferência não é filme de cinema e eu tive a oportunidade de sentar e assistir, tentando ao máximo ficar de bico calado, a entrevista dada por Herman Benjamin (infelizmente, é raro um ministro de tribunal superior ter essa disponibilidade) ao O Eco, entre uma xícara de café e um vôo para Brasília. Dessa entrevista — que nós prometemos que seria rápida, mas durou mais de uma hora — surgiu uma declaração alentadora sobre um tema que eu até então considerava muito aflitivo: o despreparo dos julgadores em geral (incluídos aí os Ministros do STJ) para o julgamento de causas ambientais, por falta de conhecimento técnico sobre a matéria.
Na primeira boa notícia do dia, no entanto, Herman Benjamin, sem nenhum ar ou motivo para corporativismo, declarou-se surpreso na sua chegada à Primeira Seção do STJ com o grande interesse e preparo dos seus colegas para as questões relativas ao meio ambiente. Segundo ele, alguns dos demais componentes da Seção teriam idéias até mesmo mais avançadas do que as suas sobre determinados assuntos ambientais.
Essa, aliás, ao contrário do afirmado acima, não é uma boa notícia; é uma excelente notícia (que, talvez por razões estratégicas, talvez por falta de tempo, não foi dada durante a conferência).
Nem tanto pela representatividade em números absolutos que os dez ministros que compõem a Seção têm no imenso universo formador da jurisprudência ambiental brasileira, mas pela relevância, abrangência e influência de cada uma das decisões por eles proferidas. Impassível de reexame por instância superior, o que esses dez juízes decidem não apenas tem o poder de corrigir eventuais distorções e aberrações provenientes das instâncias inferiores, como cria precedentes com uma grande capacidade de condicionar futuras decisões de juízes e tribunais inferiores (inferiores entendido sempre em contraponto com o grau de “Tribunais Superiores” conferido ao STJ e STF). E serão eles quem decidirão as causas ambientais que chegarem ao STJ (a Primeira Seção é competente para julgar questões de direito público, que envolvem não apenas direito ambiental mas direito tributário e administrativo, entre outros).
De onde eu vejo, isso quer dizer que mesmo diante do quadro tenebroso de desmandos políticos em que o direito ambiental vem tentando se aplicar, se a sociedade e o Ministério Público continuarem (ou começarem) a fazer as suas respectivas partes, em algum momento essa cadeia chega nas mãos de gente com poder e, aparentemente, vontade de clarear as coisas.
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