Reportagens

Encruzilhada abandonada

Em plena época de maior tráfego de caminhões, ponto estratégico para escoamento rodoviário de madeira da Amazônia, próximo a Cuiabá, está sem fiscalização adequada.

Andreia Fanzeres ·
15 de maio de 2007 · 18 anos atrás

Todo escoamento rodoviário de produtos de Acre, Rondônia e Norte do Mato Grosso, rumo ao Sul e Sudeste do país, precisa passar obrigatoriamente por um entroncamento a 10 quilômetros da capital mato-grossense, Cuiabá, conhecido como Trevo do Lagarto. Apesar de sua importância estratégica para boa parte do tráfego rodoviário da região Norte, o ponto recebe cada vez menos atenção dos órgãos fiscalizadores. As operações de monitoramento e controle no Trevo do Lagarto escasseiam na mesma medida em que cresce o fluxo de caminhões de cargas, principalmente durante a noite.

Soja, algodão, milho, cana-de-açúcar, gado e muita madeira são transportados, às toneladas, diariamente pelo trevo, para onde convergem as estradas BR-174 (que ao entrar em Rondônia passa a se chamar BR-364) e BR-163 (Cuiabá-Santarém), todas com dezenas de ramificações para outras vias no interior do estado. Tudo que existe hoje no trevo para marcar a presença do poder público é um posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) com quatro funcionários, e um posto abandonado do Ibama, com papéis estragados e esquecidos nas prateleiras e sob a guarda de um vigilante terceirizado.

De acordo com o inspetor Nilton Quinzani, chefe da seção de policiamento e fiscalização da PRF, o posto do Trevo do Lagarto fica frequentemente desguarnecido porque existe um trecho da BR-163 próximo dali, entre Cuiabá e o município de Jangada, com alto índice de acidentes rodoviários. “Quando acontece algum acidente temos que deslocar nossa equipe e o posto fica apenas com uma pessoa, que não pode trabalhar sozinha”, desculpa-se. Mas reconhece que mesmo operações especiais de fiscalização no trevo viraram uma raridade. “Fazemos operações uma vez por mês, quando tanto”.

Em vez de reforçar os trabalhos no Trevo do Lagarto, a PRF tem optado por realizar operações de fiscalização em pontos nas estradas que antecedem o trevo. Um dos principais chama-se o posto Gil, próximo à cidade de Diamantino, na BR-163. Quem percorre a estrada que vai para Porto Velho, por sua vez, está sujeito a fiscalizações nos postos no município de Pontes e Lacerda e também em Cáceres.

Fiscalização deficiente

Quinzani atribui as dificuldades enfrentadas principalmente ao baixo efetivo de policiais rodoviários. “Hoje temos 340 policiais no estado, mas 60 deles estão na sede da PRF, em Cuiabá. Deveríamos ter nos postos duas equipes, cada uma com seis policiais, mas temos no máximo quatro funcionários em cada um de nossos pontos nas estradas”, descreve. Até 2003 existia um posto da Polícia Militar no local, mas foi extinto devido à altíssima recorrência de corrupção, práticas de suborno de policiais e tudo quanto é espécie de falcatruas para permitir que cargas ilegais passassem tranquilamente pelo trevo. Crimes assim foram revelados também por parte de funcionários do Ibama durante a Operação Curupira, em 2005.

Também não há balança para controlar o peso dos veículos de carga, nem qualquer monitoramento do fluxo de automóveis. A PRF diz que isso é atribuição do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), que há mais de cinco anos deixou a tarefa de lado. “Já cobramos esse dado sobre o volume diário médio de veículos, que nos ajudaria a saber o tipo e a qualidade do fluxo, assim como os horários de maior movimento para orientarmos melhor nossas ações, mas nada foi feito”, reclama Quinzani.

O Ibama, que também tem responsabilidade de realizar fiscalizações nas estradas, justifica que sua prioridade é estar no mato, não no asfalto. “Se focarmos as ações nas estradas vamos sempre pegar o crime depois que o dano ambiental já aconteceu. Por isso nossa estratégia é concentrar forças no campo, para impedir que isso ocorra”, explica Paulo Maier, superintendente do Ibama no Mato Grosso.

Em vez de manter presença no Trevo do Lagarto, ele optou por apoiar operações volantes, em pontos diversos do estado, com ou sem ajuda da PRF. No final de 2005, meses depois que assumiu a superintendência do instituto, em Cuiabá, agiu pela desativação do posto de fiscalização que operava no local. “Não havia segurança para os nossos servidores”, diz Maier. Mas há mais razões por trás dessa retirada estratégica do Trevo do Lagarto.




Mar de madeira

O Trevo do Lagarto passou anos cercado por incalculáveis toneladas de madeira apreendida. Elas ficavam esquecidas, na beira da estrada, apodrecendo ao longo do tempo em que os processos para apuração das responsabilidades no transporte irregular de madeira transcorriam. Pior, ficavam armazenadas em área não pertencente ao Ibama, mas em propriedades particulares, sendo que o posto de fiscalização localiza-se na faixa de domínio da estrada, que deve ser administrada pelo Dnit.

A paisagem de madeira a perder de vista só mudou depois de um incêndio que danificou boa parte dos materiais estocados no Trevo do Lagarto, em junho de 2006, seguido por saques de moradores de bairros próximos. Paulo Maier diz ser impossível estimar a quantidade de madeira queimada e roubada, pois nunca se fez uma contagem do que havia sido apreendido no Trevo do Lagarto. Segundo ele, desde aquela época a Polícia Federal investiga as responsabilidades pelo ocorrido.

Hoje ainda há madeira esquecida no Trevo do Lagarto, mas quase nada comparado ao que havia no passado. De acordo com Maier, quando novas apreensões são feitas, elas costumam ser encaminhadas a depósitos das prefeituras de Cuiabá e Várzea Grande, até que os processos de destinação final das madeiras sejam concluídos e o material encaminhado.

O Ibama espera que num futuro próximo seja construído no Trevo do Lagarto um novo prédio para operações de fiscalização, cujo ambiente seria compartilhado com a própria PRF e demais organismos públicos com interesse em controlar o transporte em ponto tão estratégico. Não há prazos para que essa intenção saia do mundo das idéias. Só há certeza de que agora, com o término do período de chuvas, o transporte de madeira ilegal no estado aumente em cerca de 40% em relação aos meses de verão, segundo avaliação da PRF.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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