Este ano, 140 canários da terra venezuelanos (Sicalis flaveola) ingeriram sonífero junto com a refeição servida no Centro de Triagem de Animais do Ibama, em Manaus. Ao dormirem, receberam uma dose letal e seus corpos foram doados para o Inpa com fins científicos. A ação não foi um crime, mas uma forma de proteger a fauna brasileira.
“Antes, nós tentamos devolvê-los para as autoridades venezuelanas, mas não deu certo”, conta o veterinário Diogo Faria, responsável pelo Centro de Triagem do Ibama em Manaus. “ Eles soltaram os animais perto da fronteira com o Brasil, fora do habitat deles.” O canário da terra habita o litoral da Venezuela. Ao ser solto na Amazônia de seu país, colonizou as florestas de Pacaraima, em Roraima, e lá se firmou como uma nova espécie. Como lembra Faria, a concorrência de espécies exóticas é a segunda maior causa de extinção de animais nativos. Fica atrás apenas da destruição do habitat natural.
As aves são capturadas no interior da Venezuela e vendidas por preço equivalente a um real para atravessadores que as trazem ilegalmente para o Brasil.. De Manaus, o destino mais comum é Fortaleza, Ceará. Muitas passarinhos não resistem à viagem, mas aqueles que sobrevivem são vendidos por até 50 reais. Os responsáveis, quando pegos, são indiciados por crime contra a fauna, recebem multa de 500 a 1500 reais e podem ficar presos de 6 meses a um ano e meio.
Existem subespécies de canários da terra em quase todo o Brasil. A exceção é a Amazônia. Mas soltá-los em território nacional seria um crime contra a fauna, de acordo com analistas ambientais do Ibama. “Fizemos um levantamento para saber se a espécie existe no país. Encontramos subespécies de canários da terra em outras regiões, como o Nordeste e o Centro-Oeste, mas também poderiam ser prejudicadas pela concorrência das aves da Venezuela”, explica o analista ambiental Robson Esteves Czaban, do Núcleo de Fauna do Ibama em Manaus.
Antes de chegar ao Amazonas, Czaban trabalhou por três anos em Roraima e conhece a história da introdução dos canários da terra no extremo norte brasileiro .“Na região, existem dois outros canários do mesmo gênero e também se alimentam de sementes, mas são menores. Como não tem predador natural e os concorrentes são fisicamente menores, o canário venezuelano pode ampliar o espaço e expulsar os naturais de lá”, afirma. Hoje, os pássaros são vistos na área urbana de Pacaraima, mas o analista ambiental não duvida que eles possam se espalhar pelo lavrado, o cerrado roraimense.
Mas para Czaban, que tem formação nas áreas de Informática e Economia mas decidiu se dedicar ao estudo de pássaros há vinte anos, existem alternativas à eutanásia dos animais. Eles poderiam ser doados a criadores ou para institutos de pesquisa. “Mas para isto precisaríamos de anilhas abertas para identificar os pássaros e não as recebemos de Brasília”, conta. O problema, segundo ele, pode estar na facilidade de falsificação destas anilhas abertas, que podem ser retiradas das aves.
No Centro de Triagem, eles não podem ficar muito tempo. “Não temos estrutura, nem dinheiro para mantê-los muito tempo. O Centro de Triagem não é um zoológico”, afirma Czaban. De acordo com ele, a legislação venezuelana é mais branda e a estrutura para defesa do meio ambiente no país é mais precária do que a brasileira. Talvez por isto, ou por pura ignorância, a Guarda Nacional Venezuelana preferiu soltar os pássaros perto da fronteira e não no interior do país, onde eles ocorrem naturalmente.
*Jornalista em Manaus, Amazonas.
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