Análises

Um ambientalista no século XXI: por favor, não defendam a natureza!

O melhor argumento para se defender a preservação da natureza não é a ameaça que o homem representa para ela, mas o risco que o seu desequilibrio representa para a humanidade.

Dener Giovanini ·
3 de abril de 2007 · 17 anos atrás

Durante uma palestra no ano passado, na cidade mineira de Uberlândia, fiz uma provocação à platéia: disse em alto e bom som que quem realmente se preocupa com a natureza deveria parar de tentar defendê-la. É claro que não dei chance para o auditório se manifestar. As reações seriam bem previsíveis, pois eu estava ali a convite da OPA – Organização de Proteção Ambiental, uma entidade reconhecida por sua forte atuação na defesa ambiental. E a dita platéia, cerca de 150 pessoas, era em sua grande maioria, formada por ativistas da instituição. Assim que comecei a perceber que, subitamente, os assentos das cadeiras começaram a incomodar as pessoas, entendi que quem iria precisar de proteção naquele momento era eu. Socorri-me chamando à frente o presidente da organização, Juscelino Martins que, além de ser um dos mais respeitados empresários desse país, é uma daquelas pessoas que impõe a sua presença através das suas credenciais como ambientalista de visão arrojada e sensata. Com ele ao meu lado, senti-me mais seguro para explicar aquela frase espinhosa que eu tinha acabado de jogar sobre a platéia.

A razão que temos para não defender a natureza é muito simples. Não podemos defender quem é mais forte que nós! E citei, naquele momento, um exemplo prático: quem ali se sentira à vontade para aceitar o cargo de segurança do Michel Tyson? Como você pode querer defender alguém ou algo que é muito mais forte que você?

Eis ai a chave que talvez abra a porta de um novo mundo. Uma nova compreensão do que de fato somos e do que representamos na complexa engrenagem da vida sobre esse planeta.

A nossa essência humana é dominadora. Em nossa história evolutiva sempre buscamos dominar povos e culturas. De uma forma ou de outra, em nossas relações pessoais ou nas relações entre as nações, invariavelmente buscamos impor a nossa individualidade e, principalmente, a nossa mentalidade de conquistador, de senhores da razão.

E assim sempre foi a nossa relação com a natureza. O ser humano sempre enxergou a natureza como uma coisa menor que ele. Mais fraca. Menos importante. O meio ambiente sempre foi um desafio a ser vencido. Conquistado. Repetimos com a Mata Atlântica a relação que os nossos colonizadores mantiveram com os índios que aqui encontraram. Num primeiro momento tentou-se torná-los úteis aos anseios conquistadores. Subjugá-los a força era a meta. Como a prática mostrou-se complicada, passou-se ao plano B: eliminá-los. Da floresta inicialmente também se buscou torná-la útil, extraindo o que fosse possível. Como da carcaça que dela sobrou também nada mais se aproveitava, o passo seguinte também foi eliminá-la.

E assim continuamos soberanos em nossa missão de dominar o mundo. De impor a nossa presença. De reinar sobre tudo e sobre todos.

Na história recente do mundo multiplicaram-se os defensores do meio ambiente. Surgimos – e aqui me coloco entre eles – como surgem os irmãos mais velhos quando entram numa briga para defender seu irmãozinho ameaçado. Ficam lá, de um lado o ameaçador, de outro o defensor, e no meio a natureza. Mesmo inconscientes, nós ambientalistas, estamos reproduzindo o padrão comportamental que deveríamos combater. Nós também enxergamos o meio ambiente como algo fraquinho e frágil, que precisa da nossa “ajuda” para sobreviver. Não compreendemos ou não enxergamos que a nossa própria atitude, gestos e atos apenas reforçam a idéia de que somos supremos em nossa existência sobre a terra. Amplificamos com as nossas palavras o conceito de dominação ancestral do homem sobre a natureza.

O momento atual nos exige uma reflexão profunda. Um mea culpa.

Está na hora de mudar o discurso de irmão mais velho. Vamos entrar na briga sim, mas para dizer: olha, se você se meter com o meu “irmãozinho” você vai se dar muito mal, pois ele é violento, perigoso, tem três metros de altura e está armado até os dentes. Enfim, mudar a nossa postura de supremacia diante da natureza e adotar um comportamento inteligente. Entender de vez que a natureza não precisa da nossa defesa. Reconhecer com humildade a sua força e poder. Colocar-nos em nosso devido lugar. Compreender que o fraco nessa história somos nós, humanos.

Comprar uma briga com a natureza é de uma extrema burrice. Achar que a controlamos ou que a dominamos é talvez um dos maiores erros que a humanidade já cometeu. Seremos varridos da face da terra com a mesma facilidade que limpamos a sujeira que nos incomoda em nossa casa: com água, com vento ou com calor. No fundo devemos apenas compreender que essa briga já está ganha. E não por nós.

Um dia conseguimos superar a nossa “guerra fria”. Agora é a vez da “guerra quente”. Só que os protagonistas não são apenas dois países disputando entre si quem tem mais poder de fogo. A peleja agora é outra. Somos nós contra o planeta. É uma espécie contra milhões. É a luta de quem produz fumaça contra quem detém vulcões.

A partir de hoje eu não quero e não vou mais defender o meio ambiente. Vou apenas temê-lo e por isso, respeitá-lo. Vou tentar entender o que a natureza está dizendo e buscar difundir suas palavras que, se pudessem ser materializadas, soariam mais ou menos assim:

RESPEITE-ME. POR QUE RESPEITO É BOM E EU GOSTO!

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