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Carta – Produção em série

De Arnaldo Rodrigues das Neves Jr. Presidente da União dos moradores da JuréiaCaro Sr. Lorenzo AldéMeu nome é Arnaldo, sou presidente da União dos...

Redação ((o))eco ·
4 de novembro de 2005 · 19 anos atrás

De Arnaldo Rodrigues das Neves Jr.
Presidente da União dos moradores da Juréia

Caro Sr. Lorenzo Aldé

Meu nome é Arnaldo, sou presidente da União dos moradores da Juréia, organização civil sem fins lucrativos, fundada em 1990 e que congrega as comunidades de moradores dos municípios de Iguape e Peruíbe, o que representa cerca de 1500 pessoas, somos membros filiados da Rede Mata Atlântica.

Em primeiro lugar gostaria de parabeniza-lo pelo interesse da manutenção dos ecossistemas da Floresta Atlântica, em especial na região do Vale do Ribeira, SP. Li a matéria “Produção em série” e gostaria de tecer alguns comentários sobre a mesma.

1- A existência de comunidades na Estação Ecológica da Juréia, remonta à época da história da colonização do Brasil, Iguape, assim como São Vicente, Cananéia foram as primeiras cidades habitadas pelos portugueses, talvez pela ampla rede fluvial que adentra as extensas planícies existentes na região, ou por suas riquezas naturais, provavelmente por ambas.

2- As comunidades conseguiram sobreviver aos vários ciclos econômicos que assolaram estas paragens e nos mantivemos por aqui, sempre manejando os recursos naturais, que é do que vivemos. Porém há 20 ANOS!!!, o Governo do Estado de São Paulo, (governo Montoro) quadruplicou a área que foi destinada, pelo governo militar para instalação das usinas nucleares de Iguape, sem nenhuma pesquisa de campo ou mesmo alguma justificativa técnica, incluindo aí o projeto de lei do dep Rubens Lara, que instituiu junto com o decreto, a atual área da Estação Ecológica da Juréia Itatins (EEJI).

3- Essa ação, feita às pressas, causou o problema que vivemos hoje, isto é, dentro dos limites da estação ecológica (EE) temos campos de futebol, escolas, igrejas, vilas de moradores, extensos bananais, não que foram construídos depois da criação da EE, já existiam!!! E qual a função ambiental destes equipamentos urbanos para uma EE? Será que não servirão para abrigar turistas que alguma ONG, dona de companhia de turismo poderá usar? Aliás, perfeitamente legal observado os artigos….. da Lei federal SNUC, que rege as UCs do Brasil.

4- Reconhecemos que a especulação imobiliária é nossa inimiga, conseqüentemente reconhecemos a importância do decreto do governo militar que pretendia instalar usinas nucleares, como também reconhecemos a importância da criação da estação ecológica, no que tange ao arrefecimento da violência da especulação imobiliária. Porém ambos os projetos tem escopos comuns, foram criados de forma arbitrária, nos tiraram o trabalho, nos expulsam de nossas terras, usam de extrema violência, nos causam medo e insegurança e expõe as comunidades à violência das periferias das cidades vizinhas à estação ecológica, local que muitas famílias de moradores já estão habitando.

Por outro lado, o governo do estado tem se mostrado incapaz de cumprir seu papel, em 20 anos não consolidou e EE, não fomos indenizados porém, são 20 anos de opressão as condições de fiscalizar a área são pecarias para 3ºs que roubam nossos palmitos e caçam em nossas áreas impunemente.

No dia 17 de agosto de 05 os moradores tomaram para si esta função e realizaram um empate para coibir os desmatamentos ilegais que estão ocorrendo na Juréia. Desmatamentos denunciados há mais de um ano pelos moradores no Conselho Consultivo da Juréia, sem que nenhuma atitude fosse tomada.

Gostaria de saber se o sr conhece alguma unidade de conservação que esta perfeitamente protegida, pois é, será que os modelos adotados pelo Brasil, para conservação dos ecossistemas, é adequado às nossas realidades? O nosso saudoso Chico Mendes pensou nisso há 20 anos!!! Criou um modelo brasileiro de conservação ambiental que são as reservas extrativistas (modelo conceitual conservacionista).

Pelo que se sabe no Brasil o modelo de unidades de conservação teve origens do modelo americano (preservacionista ex. Parque Yellowstone, aquele do Zé Colméia), que serviu para consolidar o massacre das comunidades indígenas americanas. É uma área cheia de atributos naturais e aquele espaço era sagrado para as tribos, o governo americano impediu seu acesso pela ação ostensiva do exercito, assim destruiu a base cultural daqueles povos, aniquilando definitivamente a sua resistência.

Também acreditamos, assim como os índios americanos, que existam lugares sagrados, de extrema importância para a manutenção dos ecossistemas, haja vista a comunidade do Despraiado, há mais de 200 anos no lugar NUNCA desmatou as cabeceiras das águas que abastecem suas propriedades, exatamente aonde realizamos o empate que parou o desmatamento de área de vegetação primária (conforme divulgado inclusive por este jornal), portanto não somos contrários às unidades de conservação de proteção integral.

Enfim acreditamos que a participação da sociedade nos processos de decisão, com toda sua ampla sócio-diversidade, pode mudar o futuro de nosso país. Não acreditamos que só a democracia representativa, nos moldes atuais, seja suficiente para garantir um futuro que merecemos legar aos nossos descendentes, mais do que nunca é preciso participar. Esta é uma atitude conservacionista, integração do homem com seu meio, com o objetivo de conserva-lo.

Dentro deste quadro, estamos apoiando o projeto de lei da Juréia, pois acreditamos que o envolvimento dos agricultores como fiscais gratuitos, seja uma peça chave para mudarmos o quadro de destruição da Floresta Atlântica. Assim como também acreditamos que as comunidades do Parque do Jacupiranga, desde que devidamente amparadas por lei, terão um papel imprescidível na proteção efetiva daquele patrimônio.

Nós estamos lá durante a noite, sábado, domingo e feriados.

Finalizando, sobre os deputados Hamilton Pereira e José Zico Prado, temos muito respeito pelo trabalho deles, pois tiveram a coragem de apresentar o projeto, sabedores que o movimento ambientalista brasileiro, que em sua maioria, tem características urbanas e origem no modelo conceitual preservacionista (Yellowstone), poderia reagir de forma negativa.

Nestes 20 anos de luta os moradores da Juréia solicitaram para vários deputados uma ação nesse sentido, todos responderam que o movimento ambientalista tinha muito acesso à imprensa e que poderiam ser mal entendidos sofrendo conseqüências negativas em suas carreiras políticas (há muito mais votos concentrados na zona urbana que na zona rural).

Estes deputados elaboraram do projeto, em conjunto com os moradores da Juréia, em agosto de 2004 no município de Iguape, porém, antes, em maio de 04, houve uma tentativa de envolvimento do secretário do meio ambiente, que não se concretizou porque o Instituto Florestal, pasta designada por ele, não escreveu o projeto de lei para que pudéssemos construir a solução conjunta e democrática.

Durante este ano foram realizadas 4 audiências públicas para o aprimoramento do PL 613-4, fruto destas audiências temos outra versão, (acredito que a jornalista Aline deste jornal já a tenha) ainda não é a definitiva, pois estamos esperando o Sr José Pedro de Oliveira Costa, (representante do Secretário do Meio Ambiente), voltar da França para darmos continuidade nas discussões para a resolução da problemática.

Como ilustração podemos informa-lo que o projeto de lei 1145 de 2003 que exclui comunidade do Bairro da Serra do Parque Turístico do Alto Ribeira (PETAR) aprovado na mesma data do projeto do Jacupiranga pela assembléia legislativa, ao contrário do projeto do Parque do Jacupiranga não foi vetado pelo governador.

Este bairro é conhecido pela grande quantidade de pousadas para a visitação nas cavernas, abundantes na região. A partir de agora esta comunidade fica exposta à uma forte especulação imobiliária pois, o projeto não prevê nenhuma outra unidade de conservação de uso sustentável na área.

Pasme, o projeto foi proposto pelo INSTITUTO FLORESTAL que por outro lado, deixa dentro do parque várias outras comunidades onde não existem pousadas só pequenos agricultores, quilombolas…. Será que alguém tem interesse nas pousadas para as atividades turísticas de visitação em cavernas?

Por fim estamos convidando-o, assim como fizemos ao prof Marc Durojeanni, para nos visitar e conhecer as comunidades e sua problemática. O que pode não alterar em nada sua opinião, mas é muito importante o sr emitir sua opinião com conhecimento mais aprofundado da matéria.

Sem mais, com os nossos cumprimentos.

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