Notícias

Carta – Machos beta II

De Claudio Tulio Jorge PaduaCaro Editor,Sou engenheiro florestal e msc em manejo ambiental e, embora não seja caçador, reconheço o valor do...

Redação ((o))eco ·
4 de julho de 2006 · 18 anos atrás

De Claudio Tulio Jorge Padua

Caro Editor,

Sou engenheiro florestal e msc em manejo ambiental e, embora não seja caçador, reconheço o valor do exercício da caça amadorista como instrumento de conservação e de uso sustentável de ecossistemas nativos. Como técnico e especialista na área e em dinâmica de populações não poderia ser diferente.

Na realidade o movimento conservacionista atual nasceu justamente da obra de um eng. florestal/caçador, Aldo Leopold, em sua famosa obra Game Management. O manejo de vida silvestre pela caça ainda é reconhecida por diversas ONGs de renome: WWF internacional, Funatura, Conservation International, IUCN (que prevê as reservas cinegéticas como uma das categorias de áreas protegidas) entre outras.

Cabe enaltecer que dentre as maiores áreas conservadas do planeta estão reservas cinegéticas: O Kruger Park e a reserva de caça de selous, na Tanzânia, com 7.5 milhões de hectares, mais 4 milhões de hectares no entorno, lar de 100 mil elefantes, criada pelo grande caçador e explorador Frederic Courtney Selous.

Quero explicitar em minha missiva um caso ocorrido de fato, quando apresentei em 1997 um projeto de caça de perdiz na Faz. Vereda Nova em Arinos/MG. Essa propriedade soma uma área de 11 mil hectares (110km2) e, na ocasião, em 1997, era toda tomada de um vasto e deslumbrante cerrado nativo, com a presença de todos os gradientes fitofisionômicos de cerrado, desde campos limpos, strictu sensu, vastas veredas….

A propriedade apresentava também toda a sorte de fauna nativa: onças parda e pintada, veados campeiros e cervos do pantanal (que lá se chama sussuapara), tayassuídeos (queixadas e catetus), taperidaes (antas) e mais de 200 espécies de avifauna levantada.

Nosso objetivo era monitorar a população de perdizes (Rhynchotus rufescens) por 5 anos para propor o desfrute da mesma (via caça amadorista) pela obtenção do Rendimento Máximo Sustentável – RMS da espécie (fundamentação teórica dada por Greame Caughley na obra Analisys of Vertebrate Populations). Uma espécie seria desfrutada e milhares de outras seriam beneficiadas pelo uso sustentável da área.

Esse processo ficou rodando no Ibama, com vários trâmites, pareceres denegatórios, recursos, pareceres favoráveis até que, em agosto de 2002, a ARCA Brasil e colaboradores conseguiram capitanear um movimento para arquivar de vez nosso pleito.

Porém, o que pareceu ter sido um sucesso contra os “malvados caçadores que querem matar as perdizes” serviu para mascarar uma tragédia ambiental de proporções muito maiores….O proprietário fez então o que todos fazem, averbou a reserva legal da propriedade, demarcou as áreas de preservação permanente e usou da prerrogativa legal (Lei 4771/65) para desmatar mais de 8 mil hectares daquele antes belo e rico cerrado. Meteu correntão em tudo e fez carvão para abastecer o vasto pátio siderúrgico de minas e, após este feito, formou pasto de braquiária para criação pecuária. A velha história que se repete há centenas de anos, dia após dia (trabalho no IEF e presencio autorizações legais de desmate aos milhares de hectares todos os dias).

O que aconteceu com toda a riqueza de fauna e flora que ali existia? Será que um pouco mais de 20% da cobertura vegetal remanescente foi o suficiente para abrigar todos os animais que ali existiam? Imagine a cena de uma fêmea prenha de cervo do pantanal perdendo seu abrigo de nidificação depois que o correntão “lambeu” tudo. A morte deve ter sido terrível… E os catetus, queixadas, antas, onças? Todos perderam seu valioso habitat. Quantos milhares de animais de toda sorte não morreram de forma trágica? Este foi um fato triste que, como defensor da nossa fauna e dos nossos ecossistemas, me comoveu profundamente.

O engraçado é que todos que uniram esforços para “frear” nosso projeto convenceram as paredes do quarto e dormiram tranquilamente e ninguém que se manifestou contra a caça. Sequer ergueu uma voz contra o holocausto que ocorreu ali. Só eu que falei, falo e vou continuar falando.

Será que o discurso apaixonado e bem intencionado do pessoal da ARCA foi realmente efetivo para proteção daquela rica fauna que ali existia?

Cordialmente,

Leia também

Análises
13 de setembro de 2024

Um oceano de diversidade: Navegando pela inclusão e equidade na Década do Oceano

Se quisermos alcançar um oceano mais saudável e resiliente, temos de identificar e remover sistematicamente barreiras à diversidade geracional, geográfica, de gênero e de conhecimento

Análises
13 de setembro de 2024

Caminho da Mata Atlântica: uma jornada pelo Planalto Paulista

Julieta Santamaria atravessa SP em sua jornada para percorrer o Caminho da Mata Atlântica inteiro enquanto coleciona histórias, conhece pessoas e contempla a beleza do bioma

Notícias
13 de setembro de 2024

Uma fórmula nada secreta para devolver a vida a rios

Duas cientistas brasileiras ajudam a restaurar trechos de cursos d’água urbanos e rurais, tanto aqui quanto no Exterior

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.