Elas trabalham juntas há 14 anos. Inseparáveis nos momentos de vitória, quando conseguem capturar peixes importantes, e também nos mais monótonos, quando a linha de pesca só mexe para se enroscar nas pedras no fundo do rio. Essa rotina, de altos e baixos, pautou os levantamentos de ictiofauna do Parque Nacional do Juruena, tocado pelas pesquisadoras Divina Sueide Godoi e Solange Arrolho da Silva, da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), de Alta Floresta. “Para nos acompanhar, tem que ter muita paciência”, adverte Sueide. Ela, Solange e Rosalvo Duarte Rosa, biólogo e também responsável pela logística da expedição, passaram a maior parte das manhãs e das tardes no parque do Juruena com redes ou vara e linha de pesca em punho esperando sob o sol em voadeiras. “Às vezes passamos o dia inteiro no rio e não pegamos nada”, diz Solange. Desta vez, o trabalho foi um pouco mais difícil do que na primeira expedição científica à região, em novembro do ano passado. Aquela era época do início da cheia no rio Juruena. O nível da água ainda estava baixo, por isso foi mais fácil capturar os peixes. Em novembro, fisgaram 76 espécies, sendo que as pesquisadoras encaminharam 12 galões de peixes para análises em laboratório. Agora, em março, a dupla encontrou menos espécies, 52. Em compensação, 11 delas não haviam sido vistas na porção sul do parque, como a piraíba, uma espécie considerada difícil de encontrar ali porque está ameaçada pela sobrepesca. Além dela, os pesquisadores confirmaram a presença da pirarara, barbado (foto ao lado), cachorra, bicuda, jaú, piau, piranha, tucunaré, sardinha de água doce, mandi e outros peixes. Numa manhã de muita sorte, no último dia de pesquisas, elas conseguiram pegar um caparari de quase 30 quilos. As estratégias para conseguir fazer um rápido levantamento de ictiofauna eram basicamente variar as áreas de coleta. Estiveram em corredeiras, em áreas de remanso, na beirada dos rios, e em seus canais. Mas, nesta época, as maiores chances estavam mesmo nas beiradas. “Aqui nas margens a possibilidade de encontrar peixes grandes e pequenos é maior porque são as áreas que eles buscam para se alimentar”, diz Solange. “Os pequenos comem frutos, sementes e pequenos insetos que caem das margens e os grandes podem comer os pequenos”, completa Sueide. “É claro que existem exceções, mas grandes bagres, peixes migradores e de canal, se aproximam das margens no amanhecer e entardecer”, diz a pesquisadora. Impactos e monitoramento É, portanto, da saúde das áreas de preservação permanente que muitas espécies dependem. “Queimadas e derrubadas na floresta influenciam as espécies aquáticas, sim, na medida em que a vegetação das margens é destruída, diminuindo as fontes de alimentação para as espécies. Isso pode afetar a distribuição de peixes”, explica Solange. Apesar disso, não é prudente fazer qualquer analogia entre as pressões rio acima, inclusive de sobrepesca, e os resultados das capturas no Alto Tapajós, que envolvem apenas um diagnóstico simples do parque. Para fazer isso, seria preciso pelo menos um ano inteiro de pesquisas aprofundadas. “Sabemos que as pressões nos afluentes podem refletir aqui, mas não podemos identificar de que maneira isso ocorre”, pondera Solange. Segundo ela, o principal benefício deste trabalho será indicar que outros tipos de pesquisa são importantes para a região. “É necessário estudar mais as áreas próximas às cachoeiras, berço de reprodução dos grandes bagres. Ainda mais no Salto Augusto, que tem uma pressão de pesca muito grande. Aquele deve ser um local de monitoramento constante”, sugere. Embora o trabalho de diagnóstico não seja suficiente para estudar a região, já será uma boa referência para os levantamentos na Amazônia meridional. “Na lista de peixes ameaçados lançada em 2005 pelo Ibama, a maioria era típica das regiões Sul e Sudeste, com poucas ocorrências para peixes amazônicos. A gente sabe que existe pressão de pesca sim, mas oficialmente isso não aparece nas listas”, considera Solange. A equipe de ictiofauna abriu as portas para a necessidade de mais estudos nesta região tão desconhecida, que ainda não viu nenhum estudo completo no sul da Amazônia em sua área.
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