Em 2008, entrevistei produtores rurais sobre a situação fundiária em Novo Progresso, no oeste do Pará. Um produtor que estava lá desde o fim da década de 1970, reassentado para a construção da hidrelétrica de Itaipu, no Paraná, me disse, frustrado, que ainda não tinha o título de sua terra. Contou-me do sofrimento dos imigrantes com a falta de infraestrutura no Pará e com doenças como a malária. Sentia-se traído pelo governo. Pensei: Uau! os efeitos negativos de Itaipu persistem após mais de 30 anos e a 2.400 quilômetros de distância. Aquele produtor já está fora do radar das preocupações sobre geração de energia no país. Mas a geração de energia continua em debate e precisa melhorar.
Recentemente, visitei a hidrelétrica de Itaipu como parte de um evento sobre energia e meio ambiente. No evento, especialistas repetiram a afirmação frequente de que nossa energia é limpa. Segundo o governo federal, 44 % provêm de energias renováveis, especialmente hidrelétricas; enquanto que a média mundial de renováveis é de apenas 13,3%.
Os especialistas também argumentam que a geração hidrelétrica é barata comparada com outras fontes. Então poderíamos ficar tranquilos: nossa energia é limpa e barata. Uma consequência desta crença é o desperdício de energia.
No hotel do evento, em Foz do Iguaçu, constatei esse desperdício em pelo menos duas situações. Apesar de a temperatura ambiente estar amena, condicionadores de ar resfriavam os corredores, iluminados por lustres com quatro lâmpadas incandescentes de alto consumo. Ao mesmo tempo, em alguns momentos, a lareira era acesa para aquecer o salão de entrada do hotel.
Na rabeira da eficiência energética
Sem planos robustos para poupar energia, o Brasil continua projetando a demanda de energia com base na ineficiência do passado e do presente.
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Infelizmente o desperdício e ineficiência são generalizados no país. Em consequência disso, em 2012 o Brasil ficou em décimo lugar no desempenho de eficiência energética entre as 12 maiores economias do mundo, segundo o Conselho Americano para uma Economia de Energia Eficiente (Aceee). Dentre os 25 indicadores avaliados, o Brasil ficou em último lugar no item esforços nacionais, que considera iniciativas que estimulam o uso consciente da energia.
Especialistas brasileiros também reconhecem o desinteresse em eficiência energética. Durante a Rio+20, em julho de 2012, a subsecretária de Economia Verde do Rio de Janeiro afirmou que faltam defensores deste setor. As empresas geradoras fazem lobby para gerar mais energia, não para poupar. Segundo ela, o governo deveria liderar as políticas de eficiência.
Sem planos robustos para poupar energia, o Brasil continua projetando a demanda de energia com base na ineficiência do passado e do presente. Assim, a demanda projetada para o futuro é maior do que seria em um cenário com crescimento de eficiência.
Para suprir a energia futura, o governo e vários especialistas continuam defendendo que o Brasil deverá privilegiar a construção de novas hidrelétricas, e o governo projeta nove na Amazônia entre 2017 e 2021. Novamente o argumento é de que essa fonte é limpa e barata.
Porém, os custos socioambientais têm sido negligenciados. Pior ainda, governos e empresas não têm feito tudo que poderiam para mitigar os impactos negativos das hidrelétricas.
Sem consulta aos indígenas
A hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, que atualmente ocupa as manchetes, diminuirá o fluxo do Rio Xingu no limite das Terras Indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu, o que afetará a navegação e pesca praticadas por esses povos.
A situação tende a piorar se mantidas as formas do governo de atuar. Segundo o Instituto Acende Brasil, 82% do potencial de geração do Plano Decenal de Energia do governo para 2017-2021 afetará seis Terras Indígenas na Amazônia. Segundo a Constituição, os indígenas deveriam ser consultados sobre a construção das hidrelétricas. Porém, a forma de fazer a consulta sequer foi regulamentada.
Mesmo com a regulamentação, o potencial de conflitos é significante. No evento em Itaipu, o representante do Acende Brasil disse que mesmo com as consultas, o governo tem a última palavra. O instituto sugere que os índios sejam compensados com parte dos royalties. Mas o que ocorreria se eles dissessem não? Se o governo desconsiderasse o não dos índios, imaginem a quantidade de protestos durante a construção e os meios de comunicação transmitindo imagens dos índios oprimidos no dia do alagamento de suas áreas.
Incentivo ao desmatamento
(…) o governo federal reduziu 1.500 km2 de 7 UCs para facilitar o licenciamento das hidrelétricas do Tapajós.
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As hidrelétricas na Amazônia também ajudam a aumentar o desmatamento, pois as obras atraem imigrantes que estimulam a economia local. Estimamos que este desmatamento indireto atingiria 5.100 km² em 20 anos na região de Belo Monte. Isso equivaleria a 10 vezes o tamanho da área que será alagada. No caso das hidrelétricas do Tapajós, a área desmatada indiretamente chegaria a cerca de 11.000 km². Assim, cerca de 815 milhões de árvores seriam derrubadas em torno destes dois projetos devido o desmatamento indireto.
No caso de Belo Monte, o governo ainda não criou as Unidades de Conservação (UC) sugeridas para reduzir o risco de desmatamento. Pior ainda, o governo federal reduziu 1.500 km² de 7 UCs para facilitar o licenciamento das hidrelétricas do Tapajós. E até agora não criou as UCs que prometeu para compensar a redução destas.
Em resumo, nossa energia não é barata e nem limpa e pode ser muito opressora. Se tomarmos consciência disso e cobrarmos, talvez nossos iluminados políticos instituam políticas fortes de eficiência energética e se comprometam, de fato, com as medidas para redução dos impactos da geração de energia.
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