Para atravessar a pé de um extremo ao outro do campus do Plano Piloto na Universidade de Brasília (UnB) são necessários de trinta a quarenta minutos. Um tempo considerável para quem precisa se locomover pelos vários prédios da instituição de ensino no intervalo entre as aulas, na maioria das vezes com tempo escasso.
Com isto em mente, um grupo de estudantes e amigos decidiu criar o projeto Bicicleta Livre, que desde a última segunda (22) disponibiliza bicicletas para locomoção gratuita dentro do campus. A ideia é mostrar que as magrelas podem servir como um meio de transporte para as ruas da capital federal.
O projeto começou no segundo semestre de 2007, quando um aluno de Saúde e Qualidade de Vida da faculdade de Educação Física da propôs a ideia como trabalho final. Logo depois, o atual coordenador do projeto, Yuriê Baptista, ajudou a colocar a iniciativa em prática. Desde então, a empreitada começou a ganhar corpo, e cada vez mais adeptos. Primeiro com a formação de um curso de extensão e, depois, com a incorporação pelo Plano de Circulação capitaneado por professores da universidade.
“O plano tinha a intenção de colocar uma ciclovia dentro do campus. Ainda não houve a licitação para isso, mas deve ocorrer em breve. De toda forma, os professores já haviam pensado em disponibilizar bicicletas públicas. Mostramos nosso projeto e eles o abraçaram”, explica Yuriê, estudante de Geografia. Durante os últimos quase dois anos, o grupo hoje formado por cerca de vinte pessoas teve reuniões frequentes com a reitoria da universidade e começou a buscar bikes usadas para montar a frota.
O rumo do projeto começou a mudar a partir do final de 2008, quando começaram as conversas com a entidade sem fins lucrativos Rodas da Paz. A cada ano, ela realiza um evento chamado TransTrenó, cujo objetivo é arrecadar bicicletas, consertá-las e doá-las. Ao todo, o Bicicleta Livre recebeu sessenta magrelas bastante antigas ou mal cuidadas de tamanho adulto e outras setenta pequenas. Estas últimas serão entregues a comunidades carentes, depois de revitalizadas.
Mutirões para reforma
Durante o primeiro semestre deste ano, sempre aos sábados, a equipe do projeto se reuniu em uma sala do departamento de Educação Física da UnB para desmontar, lixar, pintar e remontar as bicicletas. Qualquer um disposto a entrar na oficina e colocar as mãos na massa foi aceito pelo grupo.
O resultado deste esforço foram dezoito bicicletas em perfeitas condições de uso, bem pintadas de amarelo. Há menos de uma semana elas foram colocadas no campus do Plano Piloto, em Brasília, dispostas em três estacionamentos construídos especialmente para o projeto nos pontos mais movimentados.
“Esses são apenas os locais prioritários de devolução, para facilitar o controle e a manutenção. As pessoas podem pegar a bicicleta em qualquer ponto, usar e depois deixar para que outro a assuma. O que pedimos é para que elas sejam utilizadas o mínimo de tempo possível. Assim, há maior rotatividade”, explica Baptista.
Mas o projeto não para aí. As oficinas aos sábados continuam, já que as outras bicicletas recolhidas estão em péssimo estado e precisam de muitas peças novas para ser reaproveitadas. Comprar magrelas recém-saídas da fábrica não passa pela cabeça da equipe, como explica Janayde Gonçalves, jornalista e voluntária no projeto. “Não queremos porque a proposta é ecológica, mostrar que é possível reciclar e reutilizar. Eu, quando cheguei, não sabia nada de mecânica. Hoje consigo consertar uma bicicleta. Basta ter disposição”, avalia.
Janayde diz que Brasília é uma cidade plana e proporciona o uso de veículos não motorizados. Yuriê concorda e complementa com a meta do projeto: ter cerca de cem bicicletas rodando no campus da UnB até o fim do ano. Apesar de não possuir um estudo sobre o corte nas emissões de gases estufa, a equipe acredita que poderá ter um reflexo positivo no micro-clima local, já que o objetivo maior é levar as magrelas para as ruas da capital brasileira.
Malha cicloviária
Para que a meta seja alcançada e cada vez mais pessoas saiam de suas casas pedalando, é preciso que a estrutura de ciclovias da região, hoje com cerca de 40 quilômetros de faixas, seja refeita e ampliada. E há esforços neste sentido. Em 2005, o Departamento de Estado de Rodagens do Distrito Federal (DER/DF) desenvolveu projetos em algumas das vinte e oito regiões administrativas do centro do poder nacional. Uma empresa de Brasília foi chamada para elaborá-los com a ajuda de Antônio Miranda, presidente da União dos Ciclistas do Brasil (UCB).
“Acabamos fazendo um plano global para o Distrito Federal e estimamos o volume de circulação de bicicletas por lá. Além disso, traçamos um perfil da demanda e das necessidades de cada lugar a partir de manuais de montagem de ciclovias”, afirma. Três anos depois, houve licitações para contratar a instalação de 360 quilômetros de novas ciclovias em todo o Distrito Federal. Três empresas venceram e Miranda foi novamente convocado a ajudar.
“Quando iniciamos a formulação dos projetos contratados pela NovaCap – Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, detectamos demandas em algumas cidades-satélite. Por isso, o número subiu para 440 quilômetros”, conta. O raio-x das necessidades foi completo, com análises de drenagem, pavimentação, paisagismo e levantamento topográfico. Ao mesmo tempo em que o trabalho corria, o DER/DF licitou a construção de outros 80 quilômetros de ciclovias em margens de rodovias. Junto com as “ciclofaixas” previstas para acostamentos no bairro Lago Sul, chega-se a de 600 quilômetros de vias destinadas exclusivamente às bicicletas.
Por enquanto nenhum resultado concreto foi registrado, mas algumas obras estão andando. “O objetivo é que, em março ou abril de 2010, já tenham sido construídos 200 quilômetros de ciclovias”, espera Miranda. Ele afirma, porém, que no curto prazo nenhuma cidade do Distrito federal deve superar o Rio de Janeiro e seus 150 quilômetros de ciclovias.
Quando as obras estiverem concluídas, no entanto, a população deverá ter bicicletas para usá-las. De acordo com Ronaldo Alves, presidente da Rodas da Paz, houve um esforço para aumentar o número de veículos com duas rodas nas cidades brasileiras. A empresa pernambucana Interset criou um projeto, no início do ano, para que o governo subsidiasse a venda de bikes no país. “A ideia era reduzir os impostos associados em tipos de bicicletas mais populares”, diz.
Caso tudo corresse conforme o planejado, desde o último mês de março as pessoas poderiam pagar dez reais de entrada e receber um modelo zero dentro de casa em quinze dias. Depois, haveria mais trinta meses para pagar o restante, sempre no mesmo valor da primeira parcela. Fontes do governo federal consultadas por O Eco desconhecem a iniciativa.
Com ou sem ciclovias, o Código Nacional de Trânsito informa que todas as vias públicas devem ser compartilhadas e que os automóveis devem manter distância de um metro e meio para o meio-fio, justamente para dar passagem às bicicletas. Quem se arrisca?
Atalhos:
Projeto Bicicleta Livre
Rodas da Paz
Saiba mais:
Pedestres agradecem planejamento urbano
Desprezo paulistano pelas bicicletas
Mobilidade sustentável à espanhola
Bicicleta como alternativa de transporte
Proposta boa, preço salgado
A poluição das bicicletas
Pedaladas em debate
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