O primeiro-ministro da China, Li Keqiang, passou pelo Brasil nesta semana, encontrou-se com Dilma Rousseff e deixou uma trilha de cheques: US$ 27 bilhões em acordos bilaterais, US$ 53 bilhões em investimentos em infraestrutura, compra de 40 aviões da Embraer, linhão de Belo Monte, empréstimo para a Petrobras e a promessa de uma megaferrovia ligando o Tocantins ao Pacífico. Quem esperava ver “os maiores países em desenvolvimento dos hemisférios Ocidental e Oriental”, como disse Li, anunciando uma parceria robusta em mudanças climáticas e energia limpa frustrou-se: o clima ficou no rodapé, numa declaração conjunta sobre o assunto e num compromisso perfunctório de “trabalhar junto com outras Partes” para o sucesso da conferência de Paris, no fim do ano.
Para quem fez juras de amor às energias renováveis e prometeu “liderança” em Paris após encontrar-se com Barack Obama, em abril, Dilma pareceu ter passado por aquilo que os biólogos chamam de reversão ao estado selvagem: a tônica dos discursos e dos atos assinados foi de investimentos na agenda desenvolvimentista praticada em seu primeiro governo: petróleo, mineração, carne, hidrelétricas e outras grandes obras.
Com um ajuste fiscal estimado em R$ 70 bilhões à espreita, Petrobras e Eletrobras em dificuldades e empreiteiros na cadeia, o capital chinês será mais que bem-vindo para ajudar na retomada do crescimento da economia brasileira. O ICBC, o BNDES chinês, foi mencionado algumas vezes por Dilma em seu discurso com Li à imprensa nesta terça-feira (19); e o premiê não deixou de notar em sua fala que a presidente “sabe até dizer corretamente os nomes das empresas chinesas”.
A China, por sua vez, tem interesse em fincar o pé no Brasil para garantir suprimento de minérios, carne e petróleo, enquanto negocia com outros parceiros, como os EUA, acordos comerciais em tecnologias de energia limpa. Esta é a razão do empréstimo de US$ 10 bilhões do China Eximbank à Petrobras e da Ferrovia Transcontinental, que levará carne, soja e minério de ferro do Brasil aos portos peruanos para encurtar o transporte até a Ásia.
Os acordos comerciais firmados pelo maior emissor de gases-estufa do planeta parecem, assim, seguir a lógica do “todas as alternativas acima” em vez de sinalizar claramente investimentos de baixo carbono. Ao mesmo tempo em que promete ter 100 gigawatts de energia solar em sua matriz até 2020, acena com um pico de emissões em 2030 e vai aos poucos desacoplando o seu crescimento econômico das termelétricas a carvão, a China busca parceiros para alimentar sua economia no “business as usual”. O Brasil parece ser um deles.
Dos 36 atos assinados por Brasil e China nesta terça-feira, três dizem respeito à economia de baixo carbono: um investimento de 321 megawatts em energia eólica, um memorando de entendimento entre a Apex Brasil e a gigante elétrica chinesa BYD para energia solar e um acordo de cooperação em energia nuclear. Não se falou em cifras.
Um quarto ato foi a declaração conjunta sobre mudanças climáticas, que trouxe pouca novidade sobre o comportamento de dois atores-chave na negociação do novo acordo.
A China é o alfa e o ômega de qualquer regime internacional de mudanças climáticas: é quem mais polui, quem mais cresce suas emissões e quem mais “terceiriza” emissões de outros países ao fabricar os produtos americanos, europeus e japoneses que o resto do mundo consome. O Brasil é importante na negociação não apenas por ser um dos dez maiores poluidores, mas também por ser um tradicional solucionador de impasses, graças à habilidade de seus diplomatas. Ambos são vozes importantes do BASIC, um grupo de negociação informal dos gigantes emergentes, e do G77, o bloco de negociação formal da Convenção do Clima da ONU que reúne 130 países em desenvolvimento.
A declaração Brasil-China sobre clima reafirma o “compromisso em alcançar um acordo equilibrado, completo, ambicioso e equitativo” em Paris. Carrega na dose das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” – um mantra dos países em desenvolvimento para cobrar mais ação dos ricos – e volta a bater na tecla da necessidade de erradicar a pobreza.
No único item com cheiro de novidade, os dois países prometem reforçar a cooperação na área de energia fotovoltaica, com vistas a “diversificar as respectivas matrizes energéticas e contribuir para os esforços de mitigação”. A cooperação pode levar “ao estabelecimento de unidades de produção no Brasil de empresas de energia solar da China”.
Sobre as metas nacionais de ambos os países (as chamadas INDCs), poucas pistas, exceto a promessa de que “ambos os lados indicam que as suas ambiciosas iniciativas nacionais e resultados alcançados serão devidamente refletidos em suas respectivas contribuições”.
Se Brasil e China de fato prepararem suas novas metas com base no que já está em implementação nos dois países, pode vender aquela casa na praia, porque um mundo 4 graus mais quente vem aí.
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