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Santo de casa não tem patrocínio

Armadilha fotográfica flagra uma onça parda atacando uma capivara em terreno da maior refinaria do Brasil. Só falta saber se Petrobras vai patrocinar.

30 de março de 2010 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

 

A cena tem uma virtude rara em registros de armadilhas fotográficas: uma composição completa, em vez de um enquadramento aleatório. Comprime numa fração de segundo uma história inteira, dirigindo o olhar para o destino da capivara, que à direita, em primeiro plano, mas de costas, quse desfeita pelo movimento de fuga, virou borrão de rabiscos marrons, como já estivesse se desfazendo.

No canto esquerdo vê-se a onça parda, de frente, nítida até nos fios dos bigodes, com as patas dianteiras no ar e o focinho manso dos predadores que, ao caçar, substituem a ferocidade pela atenção. Os bichos estão frente a frente numa trilha de várzea, com chão de folhas secas, em mato ralo. Ao lado da onça, desponta do colo, como um cogumelo, um tubo amarelo e vermelho. Logo atrás dela, um caibro fino ostenta uma placa, pequena, mas perfeitamente legível. O letreiro diz: PM-19, Petrobras. Isso mesmo. O flagrante ocorreu em fevereiro, junto a Posto de Monitoramento 19 da Replan, a maior refinaria do país. Fica na Região Metropolitana de Campinas, cuja população cresce mais que a do município de São Paulo.

A seu redor, venerandas propriedades rurais viram da noite para o dia condomínios residenciais. Na hora do licenciamento ambiental, tufos de mata nativa se encaixam nos projetos imobiliários. Depois, quando um bicho espremido pela expansão industrial e urbana se transfere para esses refúgios, os mesmos moradores que queriam se mudar para perto da natureza reclamam que foram invadidos.

A Replan confina com as terras da secular Usina Ester, que mantém entre seus canaviais 18 mil hectares de reserva florestal. Na refinaria, cresce um eucaliptal, cultivando à sua sombra um ensaio de capoeira. Nele, um censo preliminar da população silvestre acusou a presença de 40% de veados, 38% de capivaras e 11% de tatus.

Tudo isso é comida de onça. E presa de caçadores. Uma sussuarana caiu recentemente numa armadilha clandestina de caçador. E ele, pelo sim, pelo não, matou-a com seis tiros de revólver. Uma das câmeras que espionam a bicharada da Replan flagrou dois homens armados com espingarda de caça. Um deles trajava o uniforme de uma firma terceirizada que atua na Replan.

A região tem onças pardas renitentes que, escoladas por quase quatro séculos de ocupação humana, aprenderam a viver onde podem. Muitas passam por lá em trânsito. Outras se estabelecem. Quatro sussuaranas figuram nas estatísticas dos últimos 12 meses. Uma apareceu num condomínio em Vinhedo. Outra, numa a área residencial de Rio das Pedras, junto à Unicamp. A terceira foi atropelada na rodovia Anhangüera e convalesce de um reimplante dentário. E um macho de 6 anos e 50 quilos entrou há poucas semanas para o rol dos felinos monitorados por colar noite e dia.

Tudo isso no fundo do quintal de grandes empresas, como a Replan. Mas só quem parece interessada no eucapital da refinaria é o Centro de Nacional de Predadores, do Meio Ambiente. Em nome do Cenap, a bióloga Márcia Rodrigues, com cinco anos de experiência na Amazônia e outros tantos de trabalho Mata Atlântica, oferece há meses à Petrobras o programa, bancando os rádio-colares para seguir os passos dos animais lá dentro.

Neca. E não é por falta de verba, porque acaba de lançar o edital de sua nova rodada patrocínios. Acena, para isso, com 110 milhões de reais.

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