Rio – A Conferência das Partes (COP 10) da Convenção sobre Diversidade Biológica, em Nagoya, no Japão, terminava em acordo quanto à necessidade de multiplicar por dez a atual proteção da vida marinha, quando o veleiro Tara Oceans, que estuda espécies invisíveis em todos os oceanos da Terra, deixava a Cidade Maravilhosa, rumo a Buenos Aires, domingo passado. Os quase 200 países reunidos na conferência definiram uma meta de proteger 17% dos ecossistemas terrestres e 10% dos oceanos. Atualmente, estes números são respectivamente 13% e menos de 1%. O prazo final para que os países consigam um financiamento de US$ 200 bilhões por ano para garantir 20 metas de preservação será em encontro marcado para 2012, no Rio de Janeiro. A urgência se explica: cientistas estimam que hoje o planeta perde espécies a uma taxa até 1000 vezes maior que a média histórica. O Tara Oceans com certeza colabora para reverter esta tendência, porque trabalha para que todos conheçam a vida que ainda existe hoje no fundo do mar do Planeta Azul.
Capaz de revelar incríveis imagens da vida microscópica dos mares, o veleiro Tara esteve até domingo passado na Marina da Glória, depois de uma escala de dez dias no Rio de Janeiro. A bordo, uma tripulação corajosa e desbravadora: catorze pessoas, entre cientistas, jornalistas e marinheiros, de várias nacionalidades, a maioria franceses. E equipamentos que conseguem trazer à tona a invisível e imprescindível vida do fundo do mar.
O barco de 120 pés é um verdadeiro laboratório ambulante e cumpre a missão de viajar durante três anos ao redor do mundo, percorrendo todos os oceanos do planeta Terra. O objetivo desta inédita aventura científica é descobrir novas espécies, estudar a vida marinha, para que se possa preservá-la. Os plânctons, desde os vírus até as larvas dos peixes, e os corais são o principal foco do levantamento que se dá em escala nano: cada mililitro de água do mar contém milhões de organismos vivos. Foram as primeiras espécies que apareceram na Terra, nossos ancestrais, portanto. Graças a estes microorganismos marinhos, que são a base da cadeia alimentar, os oceanos produzem a metade do oxigênio que respiramos e absorvem 70% do gás carbônico produzido na Terra.
Apesar de tamanha importância, esse ecossistema complexo permanece um dos menos conhecidos pelo homem. Um primeiro balanço da expedição revela que conhecemos apenas humildes 10% deste rico universo de biodiversidade. Com avanços e descobertas, os resultados totais da pesquisa do Tara serão apresentados na Rio + 20, em 2012, e estarão disponibilizados para o público em geral através de um banco de dados, o Bio-Bank. Administrado por institutos internacionais reconhecidos, a fonte vai reunir conhecimentos já existentes aos adquiridos nesta expedição, para servir a toda uma geração de pesquisadores.
Assim como nas expedições precedentes, esta conta com um importante programa de sensibilização e de educação, envolvendo programas de televisão na França, artigos, publicações, exposições e ações educativas direcionadas a jovens por meio de grupos escolares ou de organizações não-governamentais. Para chamar ainda mais a atenção da sociedade, artistas, jornalistas, personalidades científicas e culturais são associados a esta aventura. Em sua escala brasileira, os atores Marcos Palmeira e Malu Mader, com fortes ligações com a causa ambiental, participaram de evento no Espaço Tom Jobim, com a participação da tripulação, quando foi abordado o tema “Biodiversidade dos Oceanos e Mudanças Ambientais”. “Precisamos mudar o nosso padrão de consumo. Só assim poderemos salvar os mares e o planeta”, disse o ator.
A pesquisa científica…
A história do Tara
A expedição oceanográfica é patrocinada pelo Fundo Tara e por um consórcio científico internacional. Etienne Bourgois é o presidente do Fundo Tara, codiretor da expedição TaraOceans e diretor geral da empresa agnes b. O trabalho conta com a chancela do programa das Nações Unidas para o meio Ambiente e da União Internacional para Conservação da Natureza e de seus Recursos (IUNC/UINC) Esta volta ao mundo não é a primeira viagem da embarcação. As Expedições Tara tiveram início em 2003 com a aquisição da escuna para as expedições, representando a vontade de agnès b. de se engajar em alguma ação pelo futuro do planeta. Com mais de 100 lojas espalhadas no mundo inteiro e convencida de que as iniciativas privadas devem se multiplicar, agnès b. se orgulha de apoiar a empreitada. “Estou pessoalmente muito empenhada neste projeto, que é, acima de tudo, um programa que contribui para o avanço da ciência. Já conseguimos sensibilizar muitos jovens ao meio ambiente através das aventuras humanas e científicas de Tara”, atesta a patrocinadora. Dados do 1º ano: Dados do 2º ano: |
Dos atóis tropicais da Antártida aos istmos do Oriente Médio, nunca um estudo global como este sobre o meio ambiente marinho foi realizado. Sob este ponto de vista, é possível dizer que a Expedição Tara perpetua o espírito pioneiro das grandes explorações, tais como o ônibus espacial Challenger ou o navio Beagle, cuja viagem serviu a Darwin para escrever sua obra-prima “A origem das espécies”. As imagens de satélite feitas hoje nos fornecem informações sobre a atividade fotossintética na superfície das águas, mas não dispomos ainda de dados sobre esses fenômenos em maiores profundidades, onde a atividade é, no entanto, máxima. Tampouco conhecemos os organismos que vivem nessas profundidades. Daí a relevância desta aventura científica.
Para os pesquisadores do Tara, liderados pelo francês Eric Karsenti, do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (Heidelberg/Alemanha), explorar os oceanos é entender as mudanças do nosso planeta. Eles pretendem, enquanto fazem o levantamento dos ecossistemas marinhos, conscientizar o público e em especial as crianças dos países por onde passam sobre os perigos que o aquecimento global e as mudanças climáticas oferecem para a vida subaquática e quais são os reflexos para a vida sobre a Terra.
Explica-se: o aquecimento dos oceanos torna o ar mais rarefeito, limitando a regeneração da vida. Ocupando 2/3 do planeta, os mares produzem a metade do oxigênio que respiramos e a biodiversidade microscópica – 98% plâncton – que eles abrigam é responsável também por absorver mais da metade do gás carbônico produzido na Terra. O aumento da temperatura dos mares e sua acidificação, associada ao acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera, podem levar ao desaparecimento de recifes de coral e dos organismos calcificantes, que capturam essas emissões de gases de efeito estufa, entre outros os coccoliphores.
No Tara, entre ventos e ondas, são feitos vinte tipos de experimentações e análises por dia, com a parceria de cinquenta laboratórios de quinze países. Uma centena de cientistas de laboratórios de prestígio internacional – com especializações que vão desde a oceanografia química e física, até a biologia do plâncton, passando pela genômica, a microbiologia, a modelagem, a ecologia e a bioinformática – empenham-se cada vez mais para ampliar os conhecimentos sobre a biodiversidade marinha. Guiada por satélites e construída de forma a facilitar manobras, a embarcação é equipada com as mais avançadas tecnologias em matéria de amostragem, de classificação, de mensuração subaquática, de produção de imagens e de dados oceanográficos. Pela primeira vez, os cientistas a bordo estão podendo associar o conhecimento oceanográfico de grande escala às técnicas da genomia e da biologia celular.
Durante a expedição, estão sendo exploradas a biogeografia e a biodiversidade das diferentes regiões e profundidades, através da criação de modelos de distribuição dos organismos: vírus, bactérias, protozoários, fitoplâncton, zooplâncton, larvas de peixes, etc. A expedição está observando e estudando também a biodiversidade dos ecossistemas de recifes de coral e de ecossistemas extremos: fontes profundas, águas profundas, regiões polares.
Graças à associação da taxonomia clássica aos novos sistemas de produção de imagens 3D de células, à classificação das células e à genomia, um banco de arquivos único será criado, composto por dados metagenômicos e metatranscriptômicos, de organismos e de células conservadas e classificadas. Combinando a diversidade, as formas e funções dos organismos estudados nas diferentes regiões oceânicas – da superfície à profundidade –, a expedição Tara Oceans pretende esclarecer a fitogeografia do plâncton em função das características das massas de água. A partir disso, será possível elaborar um mapa da alcalinidade na superfície e na profundidade, e determinar a distribuição de bactérias.
O barco…
Para esta expedição, o Tara foi preparado durante quatro meses. Um laboratório úmido foi instalado no convés e uma das cabines foi transformada em laboratório seco. Uma ilha de fotografia e vídeo foi disposta na mesa da sala de refeições. Um poderoso guindaste foi montado, para mergulhar a roseta e as redes de plâncton até uma profundidade de 2.000 metros.
Depois que o satélite identifica as zonas de amostragem, uma bomba abordo do Tara permite recolher a água sem esmagar os pequenos seres que vivem nela. A água passa por redes, que retêm os pequenos organismos. A roseta, que é um sistema de garrafas dispostas em círculo, recolhe a água em diversas profundidades. Os filtros de plâncton são como grandes redes de caçar borboletas.
No laboratório do barco, são classificadas novas espécies. Os equipamentos sofisticados permitem observar cores e formas incríveis. Na ilha de vídeo, os plânctons dão show: dançam, se alimentam e até se devoram…E em duas grandes geladeiras no porão do barco, são guardados os tesouros do barco: as amostras, o ‘ouro’ da expedição.
A viagem…
A viagem começou em setembro de 2009, em Lorrient, na Bretanha. O barco percorreu toda a costa nordeste e sudeste do continente africano até chegar ao Rio dia 22 de outubro, vindo da Cidade do Cabo, na África do Sul, onde teve início o segundo ano da expedição. Depois de dez dias em águas fluminenses, sendo três na Ilha Grande, o Tara segue para Buenos Aires. Até final de 2011, a escuna terá atravessado o Atlântico e o Pacífico, do Leste para o Oeste. O destino é Auckland (Nova Zelândia), depois de 15 escalas. A maior parte do percurso de 43 mil quilômetros neste segundo ano será no hemisfério Sul, fazendo estudos Tara e sua tripulação chegarão à Antártida e, em 2011, Tara navegará do Chile até a Nova Zelândia, passando pela ilha de Páscoa, as ilhas Galápagos, Clipperton, as ilhas Marquesas e Papeete. Ao todo, serão 60 escalas e 50 países, num percurso de 150.000 km ao redor da Terra. No Rio de Janeiro, Tara recebeu a visita de alunos de escolas públicas e, na Ilha Grande, os cientistas participaram de um congresso promovido pela UERJ.
As primeiras conclusões, o primeiro ano…
Após 300 dias de navegação e 66 estações científicas efetuadas, o balanço já era positivo: a metodologia revelou-se promissora e a análise de milhares de amostras coletadas por Tara já está em andamento nos laboratórios que participam do projeto. A diretora do departamento de Ambiente e Desenvolvimento sustentável do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França), Françoise Gaill, afirmou no primeiro balanço da expedição: “Pela primeira vez, desde as grandes expedições científicas do século XIX, no rastro de Darwin, uma expedição dá a volta ao mundo para revisitar a fauna e a flora submarina e tentar saber qual é o rumo do planeta”.
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