Reportagens

Quem garante o final feliz dos outros pica-paus?

Enquanto no filme “Pica-pau” o personagem consegue evitar a destruição do seu lar, fora do cinema o pica-pau-da-parnaíba corre o risco de desaparecer junto com seu habitat

Duda Menegassi ·
4 de outubro de 2017 · 7 anos atrás
Foto: Renato Pinheiro.
Na foto, um registro de uma pica-pau-da-parnaíba fêmea, em um ambiente de Cerrado florestal, fundamental para sua sobrevivência. Foto: Renato Pinheiro.

Dois pica-paus. Duas histórias e, infelizmente, a que tem o final feliz garantido é ficção. Enquanto estreia nos cinemas nacionais o filme “Pica-Pau”, um live-action de um dos personagens mais clássicos dos desenhos animados infantis, o pica-pau-da-parnaíba (Celeus obrieni) vive sua própria aventura com contornos dramáticos. No longa-metragem dirigido por Alex Zamm, o famoso pica-pau enfrenta um problema comum às aves: a destruição do seu habitat.

Fora das telonas, a perda de áreas naturais representa o maior vilão para fauna como um todo. Para o pica-pau-da-parnaíba, ameaçado de extinção, a destruição do seu habitat é ainda mais problemática, porque ele é uma espécie com alto nível de especialidade. O que isso significa? Que ele só sobrevive em áreas de Cerrado florestal, onde há presença do Guadua paniculata, um bambu mediano genericamente conhecido como taboca.

“O pica-pau-da-parnaíba só vive em Cerrado florestal, aquele localizado nas margens dos cursos d’água, como mata de galeria ou mata ciliar, de acordo com a largura do rio, ou em áreas de Cerradão, onde apesar de mais seco, existem árvores de maior porte. Mas tem que ter o bambu. Porque ele depende das áreas florestais para fazer seus ninhos nas árvores, mas precisa do bambu para alimentação porque ele se alimenta exclusivamente de formigas, que fazem seus ninhos nas hastes da taboca. E curiosamente, das 30 espécies de formiga que existem na taboca, ele se alimenta apenas de 5. Ele depende, portanto, de um ambiente super especializado”, conta Renato Pinheiro, Doutor em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre e professor da Universidade Federal do Tocantins.

Renato conduziu uma pesquisa entre 2008 e 2012, financiada pela Fundação Boticário, com o objetivo de entender a espécie, que ainda era um mistério para ciência. Isso porque, apesar de ter sido descrita pela primeira vez em 1926, no Piauí, a espécie desapareceu e só foi redescoberta 80 anos depois, no Tocantins.

A pesquisa desvendou a área de ocorrência do pica-pau, que foi encontrado no Tocantins, Maranhão, em Goiás e até mesmo no Mato Grosso. Apesar da ampla distribuição, ele foi incluído na lista de espécies ameaçadas de extinção do Ministério do Meio Ambiente, em âmbito nacional, e na Red List da International Union for Conservation of Nature (IUCN), em nível mundial.

Um pica-pau-da-parnaíba macho, espécie ameaçada de extinção. Foto: Renato Pinheiro.
Um pica-pau-da-parnaíba macho, espécie ameaçada de extinção. Foto: Renato Pinheiro.

A ameaça se deve não apenas ao alto nível de especialidade quanto ao habitat e à alimentação, mas também ao contexto em que a ave está inserida: um Cerrado sob ritmo acelerado de destruição. “Ele não apenas necessita da floresta e da taboca, mas o pica-pau-da-parnaíba depende também de um mosaico de ambientes preservados do Cerrado. Nós monitoramos alguns indivíduos e descobrimos que eles não cruzam áreas grandes que foram modificadas pela agricultura ou pecuária. Eles se deslocam apenas por áreas preservadas, uma raridade cada vez maior em um bioma que está sendo destruído de forma acelerada”, lamenta o professor.

Outro agravante à situação do pica-pau é que ele não foi encontrado em nenhuma unidade de conservação de proteção integral. De acordo com Renato, ele foi registrado apenas em algumas Áreas de Proteção Ambiental (APAs), categoria de UC de uso sustentável. A área protegida, entretanto, não parece estar protegendo muita coisa, como frisa o professor “A APA Estadual do Lago de Palmas, aqui no Tocantins, foi criada há 18 anos e já perdeu 50% da sua cobertura florestal nativa. E o pica-pau está lá, em um remanescente que nós não sabemos até quando vai durar”.

A perda ou antropomorfização de ambientes naturais está entre as principais ameaças à fauna, de maneira geral. “O desmatamento é um problema que gera outro, a fragmentação, que gera outro, o efeito de borda. Ou seja, em última instância, está tudo direta ou indiretamente relacionado à perda e transformação dos ambientes naturais”, sentencia Renato. “No ritmo atual, a cada dia a situação do pica-pau-da-parnaíba fica mais crítica. E muitas outras espécies estão na mesma condição, ou até pior, porque o pica-pau possui ampla distribuição, mas e as espécies endêmicas, restritas a um único local?”, questiona Renato.

No filme que estreia amanhã (05/10), o carismático Pica-Pau, enfrenta ele próprio essa ameaça. Assim como na animação “Os Sem-floresta” (2006), é uma oportunidade de promover a educação ambiental através de narrativas menos convencionais e mais atraentes, especialmente para o público-alvo: as crianças. Enquanto no mundo real a situação é um pouco mais complicada, nada melhor do que investir na conscientização e sensibilização ambiental do público-infantil, se esperamos conseguir no futuro um final feliz para os pica-paus também fora do cinema.

 

 

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    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 7

  1. George diz:

    RPPN só permite visitação e pesquisa. Igual a um parque. IUCN Categoria II.


  2. George diz:

    Em breve o pica-pau-do-Parnaíba ocorrerá em pelo menos uma unidade de conservação de proteção integral: a RPPN Canto do Obrieni, com taboca, cerradão alto, e pelo menos 3 casais residentes, em processo de ser estabelecida pelo Instituto Araguaia no Cerrado do Cantão.


    1. Chato de Galocha diz:

      RPPN é UC de uso sustentável.


      1. Elitista diz:

        Só no nome pois não só pode uso indireto


        1. Elitista diz:

  3. Anon diz:

    O nome é pica-pau-dO-parnaíba, não dA — faz referência ao rio Parnaíba. Como está, parece que o autor confunde o rio com a unidade federativa Paraíba, essa sim uma das poucas UFs referenciadas no feminino.


  4. Marcelino diz:

    Infelizmente na vida real nossas aves não tem muito para onde correr e muito menos como se defenderem.