O deputado Abelardo Lupion, do PFL do Paraná, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), apresentou um Projeto de Lei que pode representar um golpe fatal nas unidades de conservação brasileiras. De mansinho, o que condiz com a história desse senhor contra as áreas protegidas. Por meio de um projeto legislativo, ele já tentou sustar a criação de unidades de conservação para o ecossistema das araucárias em Santa Catarina e no Paraná. Agora, investe em nível nacional. Quer sustar, com um projeto de lei aparentemente desejável, as novas propostas de criação de áreas protegidas em todo país.
Através do Projeto de Lei nº. 5477 de 2005, que tramita em caráter conclusivo, o deputado pretende mudar a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o já famoso SNUC, para que se exija que todas as unidades de conservação sejam criadas via lei específica, a partir de janeiro de 2005. As unidades de conservação são estabelecidas, atualmente, pelo poder público, em qualquer de seus níveis, através de decretos do Executivo.
Os perigos deste projeto de lei são enormes. É impossível que o senhor deputado desconheça as implicações dessa medida. Para início de conversa, seu projeto de lei ignora as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs). Assim, até mesmo as RPPNs, que são unidades de conservação de natureza privada, criadas pela iniciativa de particulares, reconhecidas como tais pelo SNUC, teriam de ser estabelecidas por lei. Ora, a ação do setor privado na conservação da natureza, conforme dispõe a Convenção da Biodiversidade, é uma iniciativa sempre bem-vinda, para a qual não se devem colocar mais empecilhos. É preciso lembrar que o Brasil já conta com mais de 700 RPPNs e é desejável que conte com muito mais.
Lupion justifica de forma perigosa o projeto de lei que, se aprovado, mudaria o SNUC, sob a alegação de inconstitucionalidade da criação de áreas protegidas pelo Poder Executivo. Se assim fosse, nenhuma das áreas estabelecidas após 1988 seria constitucional. Imaginem, até o maior Parque Nacional em floresta tropical do mundo, o das Montanhas do Tumucumaque, nos estados do Amapá e Pará, com mais de 3,5 milhões de hectares, estaria irregular, bem como mais de 600 outras áreas protegidas existentes desde então.
No mais, seu curto projeto repete o que já estabelece a Lei nº 9985/2000 do SNUC, com a honrosa exceção que prevê que as leis específicas de estabelecimento de unidades de conservação deverão garantir os recursos necessários para a “plena indenização pelas áreas e benfeitorias a serem desapropriadas”. Este seria um mal menor se vivêssemos em outro planeta.
O falso salvador da pátria, melhor dizendo, dos bichos e das plantas, deve saber perfeitamente, como político, que na prática esta previsão legal de dotação inviabiliza o estabelecimento de unidades de conservação, até porque o setor, leia-se o Ministério do Meio Ambiente, tem um orçamento tradicionalmente ridículo. Podem-se gastar bilhões em hidroelétricas ou estradas, mas para a implementação de unidades de conservação, a ordem de grandeza é outra. Washington Novaes, em seu artigo “As dúvidas amazônicas relegadas ao silêncio”, comenta: “O Ministério do Meio Ambiente tem 0,5% do orçamento da União (…); levantamento recente mostrou que de janeiro de 2003 a maio de 2005, esse ministério contou com recursos da ordem de R$ 2,2 bilhões para todo o país, enquanto o Ministério de Minas e Energia teve R$ 21,5 bilhões”.
Novaes não ressaltou, pois não tratava deste assunto, que as unidades de conservação no nível federal, representando 6% de nossa extensão territorial, têm direito a uma pequena parcela daquele montante, que para o desavisado até poderia parecer razoável, se não existissem os famosos contingenciamentos. Na verdade, o que o deputado Lupion quer é conseguir o congelamento das novas unidades de conservação, ou uma moratória.
Ademais, o que geralmente acontece quando os proprietários, principalmente grandes latifundiários ou pessoas poderosas, tomam conhecimento da pretensão governamental do possível estabelecimento de uma unidade de conservação, é uma enorme pressão política pela não criação. O que, muitas vezes, impede sua concretização. Também acontece reiteradas vezes que os proprietários, ao serem avisados com antecedência do possível estabelecimento de uma unidade de conservação com a necessária desapropriação de suas terras, destroem suas matas e ecossistemas para que as propriedades não tenham mais valor ambiental. Ou recorrem ao Judiciário.
O país já está cheio de exemplos desta ordem, apenas graças ao dispositivo da Lei do SNUC, que exige a consulta pública para a maioria das categorias existentes. Assim, muitas unidades de conservação deixaram de ser criadas ou ampliadas. Podemos mencionar as ampliações de áreas dos Parques Nacionais da Chapada dos Veadeiros, Grande Sertão Veredas e de Brasília. O Parque Nacional da Serra do Itajaí, em Santa Catarina, com seus 40 mil hectares, teve seus efeitos de criação suspensos pelo Judiciário. O Parque Nacional do Araguaia, de 2 milhões de hectares, foi reduzido a míseros 90 mil hectares. Quanto ao Parque Nacional de Monte Roraima, decidiu-se pela dupla afetação (seja lá o que isso significa)… e assim segue o processo de desaparecimento e extinção de nossas áreas protegidas.
Pobre país, que, em um momento tão frágil para a conservação da biodiversidade, com as destruições maciças de enormes áreas, quer seja por incêndios, extração ilegal de madeira, caça indiscriminada, ausência ou omissão de governos, ineficácia da luta ambientalista, ou pela falta de recursos humanos e orçamentários, assiste a este novo golpe, quase imperceptível devido à sua malícia, contra a preservação da natureza!
As organizações não-governamentais voltadas para a preservação da biodiversidade do Brasil deveriam rechaçar este infausto projeto de lei e se posicionar contundentemente junto à Comissão de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável da Câmara Federal, fazendo ver aos deputados da comissão o perigo que encerra sua possível aprovação.
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