Se não há muitas esperanças de que saiam ações concretas da COP este ano, mesmo assim ela já valeu a pena. E o povo catari, anfitrião da festa, já tem razão para comemorar. Considerado um dos mais conservadores dentre os islâmicos, o país flexibilizou sua tolerância em relação à cultura ocidental. Essa foi uma condição imposta pela ONU para que a conferência ocorresse em Doha. Milhares de pessoas vieram dos quatro cantos do mundo e, para isso, foi exigido que suas culturas e nacionalidades diferentes fossem bem recebidas. Por tabela, o Catar acabou dando um grande passo para aceitar manifestações públicas.
Enquanto os corredores gelados do centro de conferência pareciam bastante calmos na manhã do sábado (01/12), do lado de fora, na orla marinha, ativistas faziam história. O Catar carimbava ali ser o primeiro país árabe a sediar uma Conferência do Clima e a realizar uma marcha contra as mudanças climáticas antropocêntricas, em pleno Golfo Pérsico.
Participaram cerca de 300 pessoas de países como Mauritânia, Marrocos, Jordânia, Líbia, Tunísia, Emirados Árabes, Palestina, Líbano, Iraque, Argélia, Sudão, Omã, Egito, Bahrein, Paquistão, Estados Unidos, China, Índia e Brasil. Para não falar dos próprios cidadãos do Catar. Todos se juntaram à manifestação para exigir medidas urgentes capazes de moderar as mudanças do clima.
A marcha contou com o apoio de organizações regionais e internacionais como IndyACT, Doha OASIS, 350.org, Rede de Ação Climática e a campanha global TikTikTik, além de jovens ativistas que foram fundamentais na primavera árabe e agora estão organizados no recém-criado Movimento da Juventude Árabe pelo Clima.
Segundo Mohamed, coordenador dos voluntários do evento, havia um medo por parte dos locais sobre o que poderia acontecer caso se juntassem aos outros. Mesmo assim, chegando timidamente, cobrindo seus corpos e rostos, os cataris engrossaram o coro na passeata.
Sem deixar de lado a tradição, eles protestaram. Tendo como cenário os modernos e geométricos prédios do lado mais rico de Doha, eles pediam liderança, ambição e uma mudança de mentalidade por parte dos negociadores. Aos gritos de “Líderes, uní-vos”e “Sua ação, nossa sobrevivência”, eles chamaram a atenção dos passantes na rua para a reunião diplomática que acontece longe dali, a portas fechadas.
Fazia sol na cidade desértica e o mar refletia a luz matinal. Pode ser apenas inspiração da atmosfera marinha, da qual estou longe há algum tempo, mas me emocionei. Em Brasília, onde vivo há quatro anos, vejo e participo de manifestações populares – por vezes à trabalho, outras por ideal, outras tantas por ambos motivos combinados –, mas nunca me senti assim.
Dizem que a primeira vez nunca se esquece. E para mim também foi, de certa forma, a primeira vez. Juntos aos cataris sentimos a vibração de uma manifestação livre. Colocamos para fora toda a frustração, ansiedade e o cansaço desses 14 dias de intermináveis discussões. Lágrimas caídas, energia renovada para o que está por vir.
Alguns podem achar que a marcha veio tarde, que há muito já deveria ter sido feita. Para mim, a história tem um tempo particular que não se deve questionar. Tardia ou não, difícil ter sido realizada em melhor momento, quando o Catar é anfitrião e ocupa uma posição de destaque nas negociações, e tem sido severamente cobrado por isso.
A primeira semana da COP-18 passou quase despercebida, cheia de assuntos ainda sem resolução. As delegações sentem que o presidente Abdullah Bin Hamad Al Attiyah não tem dado o suporte necessário para que os representantes achem o caminho do consenso. Os países em desenvolvimento culpam os desenvolvidos pela falta de acordo. Por sua vez, estes cobram igualdade de tratamento e compromissos.
O clima é desanimador, não fosse pela expectativa de que na próxima semana os líderes mundiais começam a chegar, os textos têm que estar na mesa e, para o bem ou para o mal, as decisões têm de ser tomadas. Resta esperar para ver.
Enquanto isso, essa passeata tolerante e multicolorida, de homens e mulheres, fez bem à alma.
*Nathália Clark foi editora de política de ((o))eco e está acompanhando, de Doha, a COP18 pelo Programa Adopt a Negotiator, da Global Campaign for Climate Action.
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