Mais uma vez o “progresso” parece inebriar as mentes de tomadores de decisão, que preferem gastar recursos públicos, que na verdade são os impostos que nós brasileiros pagamos diretamente ao governo, ou indiretamente no que é embutido em qualquer produto que adquirimos. O que o poder público faz com nosso rico dinheirinho deveria beneficiar o país e o povo brasileiro. O ideal seria que fôssemos devidamente consultados em que e em como serão investidos nossas contribuições. Mas, não somos. Ou quando dizem que somos, a “consulta” toma forma de lavagem cerebral, com artifícios que iludem pessoas mal informadas de que alguma obra faraônica trará progresso e riqueza. Mal explicado é o preço ambiental e mesmo o impacto social que esses projetos acarretarão. Muitas vezes grandes obras exigem a destruição da natureza ainda em bom estado de conservação, o que cada vez é mais raro em nosso planeta, e que é de fato a riqueza que deveríamos estar preocupados em preservar. Mas quando obras de grande porte estão para acontecer, e nós brasileiros nos manifestamos contra elas, somos taxados de retrógrados e de estarmos contra o progresso de nosso país.
Este é o caso do projeto Porto Sul, atualmente sendo planejado para a região sul da Bahia, entre Ilhéus e Itacaré. Em nome de exportações de minério para a China, a BAMIN, empresa privada cujos donos são da Índia e do Cazaquistão, irá se beneficiar gratuitamente da construção de uma estrada de ferro e de um porto (pois as obras serão pagas por mim e por você, leitor). Ao todo, estão estimados 6 bilhões de Reais, recursos que equivalem a aproximadamente 1/3 do orçamento anual do Estado para a obra. O primeiro trecho da estrada de ferro, que pretende ligar Caetité, onde estão as minas da BAMIN, à Ilhéus, compreende um percurso de 570 km, e sua implantação custará R$ 1,4 bilhão de reais. Este é o primeiro absurdo desta proposta.
O segundo absurdo está na construção do porto, pois para atracar navios do tamanho necessário para o carregamento de minério, serão necessárias obras que acomodem um pier offshore, com um quebra-mar de 1km de extensão, com 366 metros de largura na sua base, e 24 metros de altura (dos quais 2 ou 3 metros estarão acima do nível do mar), a cerca de 3 km da praia. Imaginar tamanho impacto em uma das mais belas regiões do litoral brasileiro chega a doer o coração, pois, as obras irão alterar o movimento das marés, gerando assoreamento em determinados locais, além de fazerem com que o mar invada o continente e acabe com praias e com casas localizadas à beira mar. O processo devastador previsto para esta região não é fruto da imaginação de quem é contra o empreendimento nesta localidade, pois estes impactos já ocorreram na Barra de São Miguel por conta do Porto do Malhado, em Ilhéus. No entanto, esses dissabores não têm sido mencionados para a população local, agora sendo seduzida pelo “progresso” que o Porto Sul irá gerar à região. Também não são divulgados os efeitos da construção do retroporto (área em que os vagões descarregam o minério que fica estocado até o embarque nos navios), que produzirá nuvens de grãos de ferro que, em contato com o mar, podem gerar o que é conhecido como maré vermelha, matando peixes em grande quantidade e, em muitos casos, pessoas que vivem nas suas proximidades.
O terceiro absurdo, que para o leitor de O Eco provavelmente é o mais significativo, tem relação às perdas ambientais. A localidade onde a implantação do Porto Sul está prevista fica em uma das mais ricas porções de Mata Atlântica. Considerado um hotspot, a região abriga dezenas de espécies de mamíferos, algumas já ameaçadas de extinção, como o macaco prego de peito amarelo e a preguiça de coleira, centenas de pássaros, a exemplo do Mutum do Sudeste, e muitas centenas de plantas. Várias das espécies que ali habitam são endêmicas, o que quer dizer que só existem nesta localidade. Devido a riqueza natural marcada por cenários de rara beleza, há anos a região vem sendo destinada a um turismo de qualidade, que tem sido implementado com princípios de sustentabilidade, inclusive experimentando iniciativas interessantes de integração das pessoas locais ao trade turístico, por meio de produções agrícolas variadas, além de reflorestamentos de base comunitária com espécies nativas desta localidade.
Os ambientalistas não estão contra o progresso. Nem estão contra a exportação de minério, já que esta é uma das escolhas de desenvolvimento de nosso país. Estão, sim, fortemente defendendo alternativas que evitem arrasar a natureza da região e causar efeitos nefastos a população local. Existem alternativas e estas são melhores para todos, inclusive para os cofres públicos, pois podem economizar pelo menos 20% do valor estimado no empreendimento.
Alternativa viável
Segundo estudos realizados pela USP, existe uma alternativa incomparavelmente melhor em todos os sentidos, que consiste na adequação ou modernização da ferrovia Centro Atlântica, que já chega até o Porto de Aratu. Assim, o minério de ferro da BAMIN poderia ser escoado com apenas sua ampliação, evitando a construção do trecho Caetité – Ilhéus. De fato, o Porto de Aratu já está sendo usado no escoamento de minério, e pode ser reformado para acomodar o novo “cliente”. O custo desta alternativa reduziria os gastos de infra-estrutura em pelo menos 1 bilhão de reais. Sendo assim, os estudos indicam não haver comparações entre a grande obra de 6 bilhões (1/3 do orçamento total do Estado da Bahia), que inclui a ferrovia e o porto, em favor de apenas a extensão de um trecho da estrada de ferro até o porto já existente em Aratu e sua remodelação.
No que se refere ao meio ambiente os efeitos do Porto Sul são inestimáveis e irreparáveis. A Mata Atlântica é um bioma frágil, restando menos de 7% do que cobria originalmente o Brasil. Esta região da Bahia onde está projetado o Porto Sul é atípica pela sua alta concentração de ecossistemas ainda em bom estado de conservação. A área litorânea é de igual riqueza, sendo habitat de bancos raros de corais que sofrerão impactos diretos. Existem, ainda, efeitos indiretos que precisariam ser computadas nas perdas, como o uso da água, por exemplo, utilizada em maior quantidade no processamento da concentração do minério de baixo teor, como é o caso das minas da BAMIN. Será necessário cerca de 1 m3 por segundo, ou 60 m3 em um minuto, quantia de água que supre a necessidade de 300 pessoas por um dia inteiro. Não está sendo explicado como esta enorme demanda de água será suprida em uma região que terá suas fontes hídricas abaladas com os impactos das obras do Porto Sul.
Socialmente os benefícios do Porto Sul ficam na retórica de quem o defende. Não está claro quem irá lucrar com sua construção, implantação, e manutenção. Também não está sendo explicado quem conseguirá os empregos que estão sendo prometidos, nem como serão administrados os efeitos de uma migração prevista de mais de 100 mil pessoas para atender às novas demandas da obra, o que significa moradia, alimentação, hospitais, estradas e toda uma infra-estrutura que necessária mas que a região não dispõe atualmente. Quem terá que conviver com impactos sociais, inclusive violência, comum em áreas onde o adensamento humano ocorre de repentinamente, ou mesmo com as diferenças culturais que poderão gerar conflitos?
Descontinuidade no planejamento governamental
Impressiona a falta de continuidade nos objetivos do governo. A região onde a implantação do Porto Sul está previsto faz parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o que evidencia o compromisso assumido anteriormente pelo governo brasileiro com a conservação e o desenvolvimento sustentável, mas agora não mais mantido. O mesmo pode ser dito a despeito do governo estadual que, em 1991, tombou a área às margens do Rio Almada e da Lagoa Encantada, com apoio do Município de Ilhéus que, em 1993, criou a Área de Proteção Ambiental (APA) da Lagoa Encantada, inclusive ampliada em 2003, com o objetivo de conservar os valiosos ecossistemas remanescentes da Mata Atlântica regionais.
Em resumo, com o Porto Sul perderemos raros bancos de corais, habitats em bom estado de conservação, aumentando riscos de extinção de espécies endêmicas da Mata Atlântica. O que ganharemos com o Porto Sul? Certamente poluição ambiental e, muito provavelmente, mais pobreza social, com chances da população local ser marginalizada pelo “progresso” prometido, por não estar apta a trabalhar nas frentes técnicas que se abrirão com o empreendimento. Pode ser que as pessoas menos qualificadas sejam absorvidas em trabalhos braçais, mas mesmo estes hoje são menos numerosas devido as técnicas empregadas em todas as áreas, inclusive na exportação de minério.
Resta a pergunta que não quer calar: a quem interessa o Porto Sul? Que o Presidente Lula e o governador da Bahia, Jaques Wagner respondam a esta questão, já que assinaram na surdina (dia 26 de março de 2010), um compromisso para sua execução em março de 2007. Se ambos estivessem pensando no bem estar das pessoas, apenas com a economia de 1 bilhão de Reais da obra alternativa poderiam estar planejando milhares de casas populares, ou centenas de escolas públicas ou ainda dezenas de hospitais (1 bilhão de reais = 20.000 casas populares, 200 escolas ou 25 hospitais para). Essas sim seriam obras que beneficiariam a população brasileira e mais particularmente a do Sul da Bahia.
O que é pior, nós pagaremos a conta por esta obra, e é uma empresa estrangeira que se beneficiará ao retirar nosso minério com eficácia a custo zero, para exportá-lo para fora do Brasil. Porto Sul faz sentido? Ou será que estou perdendo algum ponto na lógica dessa equação?
Leia também
Uma alga desafia o Brasil: Estamos preparados para uma nova arribada massiva de Sargaços?
Enquanto o Caribe vive um embate anual contra estas algas, o Brasil está como que aguardando uma bomba-relógio prestes a explodir a qualquer momento →
Entrando no Clima#36 – Primeira semana de negociações chega ao fim
Podcast de ((o))eco escuta representantes de povos tradicionais sobre o que esperam da COP29 e a repercussão das falas polêmicas do governador Helder Barbalho. →
COP29 caminha para ser a 2ª maior na história das Conferências
Cerca de 66 mil pessoas estão credenciadas para Cúpula do Clima de Baku, sendo 1.773 lobistas do petróleo. Especialistas pedem mudança nas regras →