O governo da Coréia do Sul anunciou que vai criar um Parque da Paz na Zona Desmilitarizada entre as Coréias do Norte e do Sul.A DMZ, sigla pela qual a região é conhecida, foi estabelecida por força da entrada em vigor do armstício de 27 de julho de 1953, que encerrou as hostilidades militares naquela península. Tem 246 quilômetros de comprimento por quatro de largura, totalizando 98.400 hectares. Exceto em pequenos corredores previamente acordados, é vedada a permanência, ou mesmo o trânsito de pessoas em seu interior sem expressa autorização de ambos os lados. Na prática, a Zona Desmilitarizada subtrai às Coréias uma fronteira comum, como a entendemos no século XXI. Com efeito, constitui uma área tampão cuja função é evitar o contato entre os vizinhos.
Em todo seu limite terrestre, a Zona Desmilitarizada encontra-se cercada por arame farpado, flanqueado por minas explosivas. Um milhão e meio de soldados estão estacionados a menos de 20 quilômetros de distância de ambos os lados da Zona Desmilitarizada o que a torna a área protegida mais bem guardada do mundo. Nesse sentido, embora juridicamente a Zona Desmilitarizada não seja uma unidade de conservação, na prática, ela é o sonho de todo conservacionista radical, pois acabou criando as condições para que a natureza se desenvolvesse por meio de processos exclusivamente naturais e sem interferências antrópicas durante mais de meio século.
Desde 1986, pesquisadores sul-coreanos têm observado que antigas fazendas deram lugar a ambientes de flora nativa regenerada. Analogamente, tem-se catalogado com frequência cada vez maior a aparição nos limites da Zona Desmilitarizada de animais ameaçados, ou considerados em risco de extinção, como o urso preto e o leopardo asiático. Tamanha diversidade biológica em uma península densamente povoada e com grandes problemas ambientais tem sido repetidamente saudada por ecologistas sul-coreanos que, a partir de fins da década de 1980, se organizaram para tentar transformar a Zona Desmilitarizada em uma unidade de conservação transfronteiriça, aberta a pesquisas, atividades de manejo como eventuais reintroduções de espécies e, em um segundo momento, turismo.
Embora a Coréia do Norte não tenha se manifestado a respeito, as autoridades de Seul anunciaram que os planos de implementação do Parque seriam detalhados até maio de 2010, etapa a ser sucedida pela elaboração de uma legislação especial a ser apreciada no Parlamento da Coréia do Sul no segundo semestre do ano que vem.
Na verdade, pouco importa se a iniciativa contou ou não com o apoio norte-coreano. Do ponto de vista da conservação, a Zona Desmilitarizada preenche as aspirações do mais exigente ambientalista: está fortemente guardada contra qualquer impacto ou degradação e tem seus processos naturais de evolução assegurados. Sob esse prima, a criação de qualquer arranjo político que implique em maior presença antrópica na região, exceto para atividades de pesquisa e eventuais reintroduções de espécies, balizadas em avaliações técnicas, tenderá a enfraquecer a integridade ecológica da área. Assim, é evidente que a proposta sul-coreana não visa proteger a biota da Zona Desmilitarizada- melhor salvaguardada que está não ficará. O anúncio da criação do Parque da Paz e os passos deliberadamente lentos para a publicação de seu planejamento e regras de implementação parecem atender a objetivos de outra ordem, como o de transformar a Zona Desmilitarizada em uma fronteira de integração, que proporcione maior aproximação entre ambas as Coréias por meio do diálogo técnico em prol da preservação ambiental. Trata-se de movimento corajoso e de difícil consecussão, que merece ser acompanhado de perto, já que pode servir de exemplo auspicioso em que a conservação é o cimento da reconciliação entre dois povos irmãos e que poderia ser replicado em outras áreas onde há conflitos de fronteiras.
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