Primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou longos minutos em sua sabatina no Jornal Nacional explicando que a militância petista na verdade adora Geraldo Alckmin e jurando que a corrupção em seu governo só apareceu porque ele deixou investigar.
Nos 40 minutos em que Lula conversou com Bonner e Renata, 43 mil árvores foram derrubadas na Amazônia – 18 por segundo. A China enfrentava a maior onda de calor já registrada na história em duração e extensão, que secou rios, fechou fábricas e fez engasgar o motor da economia mundial. A Europa vivia sua maior seca em 500 anos, ameaçando interromper o fluxo vital de mercadorias nos rios Reno e Danúbio. Nenhuma pergunta foi feita ao ex-presidente sobre esses temas.
Não são preocupações menores: o sucessor (oxalá) de Jair Bolsonaro terá de lidar com um mundo no qual a crise climática deixou de ser uma ameaça para tornar-se um dos maiores fatores de disrupção da economia – e, portanto, da segurança – global. Eventos extremos como a seca de 2022 do hemisfério Norte, ou a que nos deu a bandeira tarifária de escassez hídrica em 2021, estão cada vez mais frequentes e mortais, como vaticinaram os cientistas há 30 anos. Nesse cenário, qualquer vento que sopre errado pode arrasar safras no Brasil (como ocorre neste momento no Sul) e evitar que aproveitemos um ciclo de bonança nas commodities para crescer e gerar empregos.
A Amazônia, convertida por Bolsonaro no maior problema internacional do país, também não mereceu escrutínio do JN nos planos do líder da corrida eleitoral. Simone Tebet e Ciro Gomes tampouco foram convidados a detalhar suas ideias a respeito do que fazer com o garimpo ilegal, como recompor os quadros do Ibama, reconstruir a Funai, barrar a grilagem e desarmar o cenário de guerra criado pelo bolsonarismo na região que ocupa metade do país e que está entregue ao crime. Ciro soltou um bom, mas genérico, “a algema vai voltar a funcionar”; mais não disse, nem se lhe perguntou.
No primeiro debate entre os presidenciáveis o caso foi ainda mais grave: a questão ambiental não foi sequer tratada pelos entrevistadores. Coube a Lula trazê-la à baila, numa pergunta que deu ao nanico Felipe D’Ávila metros de corda para se enforcar e eliminou qualquer dúvida razoável de que o Partido Novo é o PSL de cardigã no ombro. Enquanto escrevo, é incerto se haverá mais debates com a presença dos dois líderes na intenção de voto.
Nós, ativistas, integrantes da minoria da sociedade brasileira que faz três refeições por dia, estamos recebendo essa ausência com um grau extra de frustração. Afinal, após quase quatro anos de “foice no Ibama”, de “passagem da boiada”, de pedaladas no Acordo de Paris e de acordos internacionais frustrados pela crise ambiental, o que esperávamos era ver a pauta verde guiando os programas de governo e os debates presidenciais. Esperávamos ver os candidatos detalhando o que seus economistas fariam para botar o Brasil no rumo do aproveitamento de seu potencial energético limpo, florestal e da biodiversidade. Queríamos ver o meio ambiente unindo o Brasil, para o país apear Jair Bolsonaro em outubro e “jair” se preparando para voltar ao século 21 em janeiro. Ficamos querendo.
Porque a eleição de 2022, assim como a de 2018, não é um pleito, é um plebiscito; se em 18 a disputa podia ser enquadrada como a tal “escolha muito difícil” entre a volta da era petista e a antipolítica, neste ano ela é menos difícil ainda: vamos às urnas para saber se viveremos numa democracia ou numa autocracia a partir do ano que vem. Qualquer discussão programática diante desse quadro vira uma vírgula.
Jornalistas fingem que vivemos uma quadra normal da história e seguem perguntando sobre economia, sobre reformas, privatizações, educação, emprego. Ciro dá palestrinha, Simone exalta seus “economistas liberais” e seu histórico de professora, Lula lembra seus feitos da década retrasada e Bolsonaro relincha. Todos parecem conscientes de estar num teatro onde sabem que nem as perguntas nem as respostas têm o menor interesse. Qual era, afinal, o programa de governo da chapa vencedora em 2018?
Daí não decorre, evidentemente, que mobilizações pelo clima e pela Amazônia, reportagens e denúncias constantes do descalabro socioambiental bolsonarista não devam ser feitas. Mas elas não servirão para “pautar a eleição”, como muita gente boa nutriu a ilusão de que fariam. Ao lançar sua guerra total ao meio ambiente, o Jair botou o assunto, senão na cabeça do eleitor, pelo menos na boca do povo. Nunca se falou tanto de Amazônia e povos indígenas nos meios de comunicação. É preciso manter o assunto nos trending topics, porque, quando tivermos um governo normal outra vez, a tendência é que o meio ambiente seja novamente acomodado debaixo do radar diante de coisas mais importantes e urgentes. Os cidadãos precisam lembrar ao governo que há poucas coisas tão importantes e urgentes quanto manter a Terra habitável.
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