![A antiga trilha na floresta e a obra de abertura da estrada. Fonte: News Rondônia](https://i0.wp.com/www.oeco.org.br/wp-content/uploads/2016/11/22112016-Fig2-1-1024x384.jpg?resize=640%2C240)
Em fevereiro de 2014, houve a cheia histórica do rio Madeira. Por causa dessa emergência, um percurso de 11,5 km dentro do Parque Estadual de Guajará-Mirim, antes uma trilha fechada e de tráfego limitado, foi transformado em estrada. Chegou a haver um embate entre a Justiça Federal e o governo de Rondônia, que paralisou temporariamente a abertura desta via. Entretanto, com base na Lei Complementar N. 762 de 27 de fevereiro de 2014 (Diário Oficial do Estado de Rondônia), o governo do estado conseguiu ir em frente com a obra. Esta lei permite a construção de “estradas-parque” em Unidades de Conservação, desde que o projeto desse tipo de via contenha um estudo prévio de impacto socioambiental.
Não foi o que aconteceu. A abertura da estrada foi feita da noite para o dia, desamparada de qualquer estudo ambiental prévio. Ela atravessa a porção norte do parque, para viabilizar a conexão entre os municípios de Guajará – Mirim e Nova Mamoré, garantindo o acesso pelas regiões de Ariquemes e Buritis. A chamada estrada-parque tem 30 metros de largura e sua construção interrompeu vários igarapés perenes ou intermitentes.
Zoopassagens
![Estrada aberta e liberada ao tráfego. Foto: Julio Dalponte](https://i0.wp.com/www.oeco.org.br/wp-content/uploads/2016/11/22112016-Fig3-4-1024x384.jpg?resize=640%2C240)
Com 216,6 mil hectares, o Parque Estadual de Guajará-Mirim fica na parte centro-oeste do estado de Rondônia, abrangendo afluentes da bacia hidrográfica do rio Jaci Paraná, nos municípios de Nova Mamoré e Guajará-Mirim. O parque faz parte da porção leste do Corredor Ecológico Guaporé/Itenez-Mamoré e é adjacente aos limites da Terra Indígena Uru-EuWau-Wau e do Parque Nacional dos Pacaás Novos. Serve de área tampão, barrando grande parte da pressão de atividades humanas que vêm do eixo da BR 364 e está inserido em uma região de extrema diversidade biológica, abrangendo quatro regiões ecológicas sul-americanas: floresta úmida tropical, florestas úmidas do sudoeste da Amazônia, florestas úmidas de Rondônia e Mato Grosso, além de pântanos e florestas de galeria do Departamento de Beni, na Bolívia.
A Lei Complementar 762, que deu respaldo legal à abertura da via, também determina que “deverá ter um projeto que contemple a construção de estruturas denominadas zoopassagens (passagens de fauna) nos trechos situados dentro de Unidades de Conservação de Proteção Integral ou em outros considerados necessários, para permitir a passagem dos animais sob e sobre a ‘estrada-parque’ com segurança, e assim garantir o fluxo gênico e a integridade física da fauna”.
Coube a mim, como consultor contratado pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM-RO), a elaboração de um projeto técnico que atendesse à Lei Complementar, e que pudesse ser executado o mais rapidamente possível.
Ao longo de junho de 2014, rastreei 149,5 km de pegadas de mamíferos na região da nova via. Pelo método de rastreamento continuo de pegadas, o mais eficaz no caso, registrei 28 espécies de mamíferos de médio e grande porte — com massa corporal acima de 1 kg — que efetivamente cruzaram a estrada e 368 eventos de travessia bem-sucedida da estrada por indivíduos dessas espécies durante o estudo. O conjunto de rastreamento por pegadas, observações diretas e uso de armadilhas fotográficas permitiu compor uma lista máxima de 40 espécies de mamíferos de médio e grande porte presentes ao longo da estrada no Parque Estadual Guajará Mirim e no seu entorno imediato (a faixa de 500 m para cada lado da estrada), todas suas efetivas ou potenciais usuários. Essa lista inclui nove espécies de mamíferos ameaçados de extinção no Brasil: tamanduá-bandeira, tatu-canastra, anta, queixada, macaco-aranha-de-cara-preta, cachorro-vinagre, onça-pintada, onça-parda e ariranha.
Corredores de fauna
![O método de rastreamento de pegadas levou ao registro de nove espécies de mamíferos ameaçados. Foto: Julio Dalponte](https://i0.wp.com/www.oeco.org.br/wp-content/uploads/2016/11/22112016-Fig6-1024x683.jpg?resize=640%2C427)
Em geral, as maiores concentrações de pegadas e, logo, de fluxo de fauna, coincidiram com zonas úmidas. Esses locais confirmaram que são corredores de fauna ao longo da “estrada-parque” e, por isso, apontei que tivessem prioridade na instalação de medidas mitigadoras, especialmente zoopassagens, que reduzam o efeito barreira da estrada e a mortalidade por atropelamento. Propus a instalação de 12 zoopassagens no trecho de 11,5 km da estrada que cruza o Parque Guajará-Mírim: passagens inferiores com cercas direcionadoras e passagens superiores ao nível das copas das arvores. O estudo também continha sugestões para sinalização viária, limitação de velocidade, interdição temporária e medidas educativas, além de uma listagem de espécies de mamíferos terrestres, aves e répteis.
Rodovias e ferrovias representam obstáculos consideráveis à mobilidade da fauna, notadamente às espécies terrestres, adaptadas à vida nas arvores, e até voadoras, no caso de morcegos e aves. Vertebrados terrestres, especialmente mamíferos de médio e grande porte, são mais propensos a sofrer restrições de mobilidade e morte por atropelamento, porque são mais ativos e movimentam-se por áreas maiores.
A estrada no Parque Estadual Guajará Mirim atravessa uma área bem conservada com florestas densas continuas, zonas inundáveis, rios e igarapés com floresta ribeirinha. Embora haja intenso movimento de mamíferos ao longo de toda a estrada, esses trechos de maior umidade podem ser considerados mais significativos como corredores de fauna, como confirmou o meu estudo. Portanto, são locais onde deverá ocorrer mais atropelamentos e interferência nos padrões de deslocamento dos animais, especialmente se a estrada vier a ser asfaltada.
As zoopassagens propostas priorizaram esses corredores de fauna, para tentar evitar ou reduzir os atropelamentos e o efeito barreira que a estrada poderá exercer sobre a fauna local de vertebrados terrestres como um todo.
Os resultados do estudo foram encaminhados em novembro de 2014 à Coordenadoria de Unidades de Conservação – CUC, da SEDAM-RO, para avaliação e cumprimento do que determina a Lei Complementar N. 762, do Governo de Rondônia, na forma de um documento técnico-cientifico intitulado “Plano de Execução de Ações para a Implantação de Estruturas Mitigadoras de Impactos sobre a Vida Silvestre de uma Estrada no Parque Estadual de Guajará-Mirim, Rondônia”,
Passados dois anos, nenhuma das ações de mitigação propostas pelo estudo foi executada. A via permanece como uma “estrada no parque”.
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Caro Júlio acompanhei seu trabalho naquele Parque, alias ainda acompanho a situação da Unidade, finalizando o meu estudo sobre o Parque e o que percebo é o descaso e a falta de fiscalização adequada, nada do que foi determinado em Lei, para a abertura da estrada foi feito, e já se passaram dois anos e o que aconteceu foi apenas, que uma estrada que já funcionava clandestinamente agora estar legalizada. Tornando o Parque mais vulnerável ainda ao desmatamento. Lamentável pela biodiversidade do local…!
De novo a MATANÇA continua. Estes políticos são gentalha.
Caro Julio, o que tinha ali antes não era "uma trilha fechada e de tráfego limitado"…além de um baita dum carreador por onde passou muita tora…esse trecho era "um pó só"…se é que vc me entende!?
É óbvio que o resultado final de tal estrada será a destruição do meio ambiente. É óbvio que não será construída nenhuma passagem para os animais . É óbvio que haverá grilagem de terras . É óbvio que haverá aumento na caça . É óbvio que haverá aumento nas queimadas. ISSO É. o Brasil .
MPE e MPF, fará o governo trabalhar.