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Meio ambiente & Cia.

O cacife de US$ 1 milhão posto na mesa por Miguel Krigsner e grandes cartadas de mega-empresários viraram esta semana o jogo de doações às causas ambientais.

30 de março de 2006 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

No dia em que o ministro Antonio Palocci caiu, um grupo de empresários desceu ao subsolo de um hotel em Curitiba para falar do futuro e seus negócios. Do outro lado da cidade, naquele fim de segunda-feira, delegados da conferência mundial de biodiversidade ruminavam em plenário vírgulas e reticências numa conversa interminável sobre a partilha internacional do que restou da natureza, na conferência paquidérmica que um dos negociadores descreveu como “corrida de tartarugas”. E naquela terça-feira, Brasília bisava, como sempre, sua versão burlesca para o fim do mundo. Com tanto assunto para os repórteres, não admira que, no dia seguinte, os jornais mal se lembrassem do que aconteceu lá dentro. Nem mesmo para estranhar que, lá dentro, ninguém falasse do que estava acontecendo lá fora.

Deve ser sinal de que o Brasil está mudando. E nem sempre para pior, como sugerem as manchetes. Empresário falando de outra coisa em dia de queda de ministro só pode ser um tipo benigno de mudança climática. Na sala de reunião do hotel estava Guilherme Leal, o dono da Natura, a dos cosméticos. A empresa vale quase US$ 5 bilhões, cresceu 28% no ano passado e emplacou dois brasileiros no rol dos bilionários – o próprio Guilherme Leal e seu sócio Luiz Seabra, segundo a Forbes americana.

Detalhes à parte, ele estava em Curitiba para dizer à platéia, ocupada em grande parte por militantes ambientais e ONGs sem fundos, que ali “era tudo a mesma turma”. E contou como multiplicou a Natura por cinco em meados da década passada, ao entender que, fabricando produtos à base do extratos de plantas nativas, seu verdadeiro negócio era “a biodiversidade brasileira”. A marca se espalha atualmente pela América do Sul através de 500 mil “consultoras” – ou seja, vendedoras autônomas, que levam seus produtos aonde estiver o consumidor. Tem uma loja em Paris, modéstia à parte instalada no bulevar Saint Germain. Mas seu grande trunfo é trazer dos confins da Amazônia para os pregões da Bolsa de Valores em São Paulo o “desenvolvimento sustentável” de comunidades extrativistas.

Mas não basta, Leal advertiu, querer lucrar bancando o bom moço e patrocinar causas boas, mas alheias. É preciso incorporá-las à empresa. Ele, diga-se de passagem, está bancando o projeto de uma escola superior de conservação da natureza para o Instituto de Pesquisas Ecológicas, o Ipê. Há 14 anos a ONG transforma, com sucesso, pesquisadores de campo com sólida retaguarda teórica em agentes efetivos da preservação ambiental. Mas Leal e Seabra, além de doar o campus, fizeram questão de participar da moldagem do programa de ensino.

Tratar do reino

Foi-se o tempo em que o segredo era “tratar o cliente como um rei”, disse ele. Agora é preciso cuidar, antes de mais nada, do próprio reino, interrompendo a pilhagem de um planeta exausto. “Temos que encontrar caminhos para nos desviarmos do enorme iceberg que está à nossa frente”, ele concluiu. Em outras palavras, as do banqueiro Fabio Barbosa, presidente do ABN AMRO Real, o segredo é não apostar em empresas que ajudam a tornar o futuro ainda mais incerto. É no futuro, afinal, que se liquidam os empréstimos. Nos últimos 4 anos, ele comandou no Real, seguindo os passos da matriz holandesa, uma faxina geral em suas carteiras de crédito. O banco analisou 3.617 clientes. Dispensou 45. Converteu quem tinha remédio, como uma camaroneira que um oceanógrafo ajudou a livrar dos métodos predatórios.

No começo da década, quando anunciou a limpeza na Febraban, foi ouvido pelos colegas como insensato. Hoje, o Real não está mais só no mercado dos financiamentos ecologicamente corretos. E, como lembrou Juscelino Martins, presidente do Tribanco, é mais fácil seguir o rastro do que faz o dinheiro na Amazônia do que o rumo de um caminhão com 40 toneladas de madeira extraída clandestinamente. Não é todo dia que um empresário abre uma discussão citando David Suzuki e Amanda McConnel, para sugerir que está na hora de “tratar novamente a terra como um lugar sagrado”, como fez Martins.

Seu sobrenome pertence a um peso pesado do comércio atacadista, o Grupo Martins, capaz de entregar qualquer mercadoria, de geladeira a agulha, a mais de 210 mil varejistas, mesmo que eles se escondam nos mais ermos cafundós do Brasil. Nas horas vagas, Martins cria antas. Foi por causa delas que se aproximou do Ipê, a ONG ambiental criada há 14 anos por Suzana e Cláudio Pádua. Anos atrás, Martins perguntou-lhes o que os empresários brasileiros faziam pelo instituto. “Nada”, respondeu Suzana. Martins resolveu desmenti-la. Antes que o fim de semana acabasse, doou-lhes a gaiola que é a sede flutuante do Ipê na Amazônia. E não parou mais.

Como não parou mais o empresário Miguel Krigsner, dono da fábrica de cosméticos O Boticário. Filho de judeus que escaparam do nazismo na Europa às vésperas da Segunda Guerra Mundial, ele nasceu na Bolívia, criou-se no Paraná, fez o curso de Farmácia em Curitiba ao se convencer que jamais passaria no vestibular de Medicina, e menos de 20 anos depois de entrar na faculdade, com O Boticário já enraizado nacionalmente em mais de mil lojas, achou que estava na hora de investir na conservação da natureza. Seu projeto original não passou da primeira conversa com o engenheiro florestal Miguel Milano. Era plantar uma árvore por cada produto que a marca vendesse. Mas foi a semente da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, onde Krigsner despejou nesses 15 anos uns bons US$ 10 milhões.

Ele não estava na mesa de empresários na segunda-feira. Mas brilhou pela ausência, quando Adriana Moreira, do Banco Mundial, levantou-se na platéia para lembrar que Krigsner acabara de doar US$ 1 milhão ao Programa de Áreas Protegidas na Amazônia. Como? “Num clique”, esclareceu Krigsner mais tarde. Sábado à noite, num jantar no Museu Oscar Niemeyer, ele ouviu o presidente do conselho deliberativo do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, Roberto Klabin, discursar, falando da dificuldade para levantar recursos no Brasil para um projeto orçado em US$ 240 milhões.

“E passei-lhe um bilhete, comprometendo-me a doar US$ 200 mil por ano, durante cinco anos”, contou Krigsner. A decisão, tomada na hora, pegou de surpresa até os diretores da fundação O Boticário, presentes no jantar com a ministra Marina Silva. E foi anunciada depois por telefone aos diretores da empresa. Krigsner admite que saíra de casa sem outras intenções “além de jantar”. Mas “sabe esses cliques que dão de repente?”

Há tempos se armava na fundação o passo que levaria seus projetos de conservação ao Cerrado. Krigsner acaba de chegar lá num salto. Acha que abriu a porta para doações de outros empresários, que até por emulação talvez se sintam tentados a imitá-lo. De quebra, ganhou “dez beijos” da ministra do Meio Ambiente. E entrou para os anais da filantropia ambiental no Brasil. “Da primeira doação a gente nunca esquece”, ele brinca.

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