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Mais sobre concessões florestais

De que adianta uma nova lei de concessões para o manejo florestal? As Florestas Nacionais são o melhor exemplo de que o Estado não tem domínio sobre essas áreas.

3 de junho de 2005 · 19 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Falar do Projeto de Lei Nº. 4.776 de 2005, que cria um novo Serviço Florestal e dispõe sobre as concessões florestais é um assunto árduo devido à nuvem de emendas contraditórias que o envolve (305 ao todo, com 125 acatadas pelo relator), além das discussões tão diversas como dispersas que têm surgido, sendo a última sobre a pretensa inconstitucionalidade do Projeto. Em um e-mail recebido hoje da mais importante organização brasileira dedicada à legislação ambiental (Planet-ben), assinado pelo Dr. Herman Benjamin, várias violações ao texto da Constituição Federal são indicadas, algumas delas muito sérias, como a dispensa de fazer um Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto do Meio Ambiente (EIA-RIMA) para as concessões para a exploração florestal. Como Herman releva muito bem, que mente imagina que a exploração de grandes volumes de madeira nas florestas tropicais pode ser feita sem “um significativo impacto ambiental”?

Mas agora não quero falar de EIA-RIMAs, ou coisa semelhante. Quero apenas lembrar que, sob o meu ponto de vista, o cerne da questão se resume a um significativo empecilho prático: onde fazer as concessões florestais? Nas Florestas Nacionais e nas terras devolutas, me responderiam. Mas, onde estão estas terras? Na teoria, se elas existem, deveriam estar sob o domínio do órgão que fará as concessões (o novo Serviço Florestal ou, por enquanto, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA). O fato muito curioso é que, na verdade, nem as Florestas Nacionais têm sua situação fundiária resolvida. E é por isso que o Brasil, que possui cerca de 19 milhões de hectares de Florestas Nacionais decretadas e que permite a concessão florestal através de licitação pública, desde o advento do Código Florestal (Lei 4.771 de 1965), nunca outorgou nem um metro quadrado para esse fim. Ou seja, em termos simples, de nada servirá uma nova lei que insista em fazer manejo florestal com concessões florestais quando, na verdade, o poder concedente não fez nada, ou quase nada, por enquanto.

Isso não é novo. Já teve legislador perguntando por que não existe sequer um hectare sob o regime de concessão florestal nas Florestas Nacionais da Amazônia, não obstante o fato de se ter até planos de manejo, como no caso da Floresta Nacional de Tapajós e até licitações abertas que não se realizaram. A resposta que lhe foi dada foi simples e contundente: Porque o IBAMA não tem o domínio das terras. O pobre legislador (isso é uma figura retórica, pois sabemos que não existe legislador pobre) não conseguiu acreditar no que estava escutando. Perguntou então, para que é esta nova lei? O silêncio total foi a sua resposta.

É que a nova lei proposta não dá solução a este problema essencial. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), na teoria, poderia dirigir as suas pouco eficientes baterias sobre esse tema e teria que, além de cadastrar as possíveis florestas públicas, após intermináveis processos legais, disponibilizá-las, ou para o IBAMA, ou para o futuro Serviço Florestal. Não quero dizer que não exista a vontade política, ou que seria impossível fazê-lo. No entanto, conhecendo o enorme esforço técnico e financeiro que isso implica, eu gostaria de saber quem vai se ocupar dos problemas de reforma agrária durante esse lapso ou quantas décadas serão necessárias para fazê-lo, se desde 1965 não se conseguiu abrir uma só concessão nas Florestas Nacionais decretadas.

Estou com a sensação que novamente se legisla no país para ninguém cumprir ou fazer cumprir. Qual é o objetivo desta lei ou dos que a conceberam? Criar mais cargos públicos sem concurso (os malfadados DAS) e empregar mais apadrinhados? Não pode ser só isso. Muitos, com certeza desconhecendo o setor ou sendo intrinsecamente ingênuos, podem estar acreditando que aparecerão empresas interessadas em cumprir todas as draconianas e tortuosas normas que a lei estabelece ( esperem para ver sua regulamentação) e fazerem o tal manejo sustentável, sob a égide de dois patrões: o IBAMA e o novo Serviço Florestal. Que nada! É só ler o texto e concluir de onde vai sair madeira, sem gastos extras: da porta aberta daqueles que necessitam da mata para sua imediata sobrevivência, como diz o Projeto de Lei. Quer dizer, quanto trabalho desperdiçado com nosso dinheiro! Preparar e discutir o tal Projeto de Lei, como se ele pudesse solucionar o desmatamento da Amazônia e resolver de uma vez por todas o tal do manejo sustentável, trazendo benefícios econômicos para os habitantes locais e até para o Brasil.

Olha o passado, gente! Olha as nossas Florestas Nacionais! Olha o que acontece com as florestas tropicais no mundo! Onde existe o tal do manejo sustentável? Como estão nossas Florestas Nacionais estabelecidas por lei? Produzindo, com controle governamental? Ou sendo desmatadas sem lei e sem estorvos? Como está a situação fundiária das mesmas? Ou melhor, a quem elas pertencem? Quem as domina?

Talvez o melhor exemplo de desvio de objetivos de manejo seja o da Floresta Nacional do Araripe-Apodi, que deveria ter sido estabelecida como uma área de proteção estrita, graças à sua enorme riqueza biótica. No entanto foi criada, na década de 40, mais precisamente no dia 2 de maio de 46, como uma unidade de conservação de uso direto dos recursos, não obstante o reiterado apelo dos conservacionistas contra esta categoria de manejo e agora, triste fim, ao invés de vender madeira, vende pequi.

Florestas Nacionais devem ser estabelecidas para que o Poder Público possa interferir regulando o mercado de madeiras. As nossas não foram implantadas ou regularizadas, a maioria não tem planos de manejo e tampouco pesquisas para o seu melhor manejo, ou manejo sustentável, como preferirem. Não foram objeto de concessões florestais nas últimas quatro décadas e certamente não o serão com a facilidade que alguns pretendem, nas décadas vindouras, principalmente porque não sofreram a adequada regularização fundiária.

Então me pergunto: para que esta lei agora?

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