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O truque das categorias

Não vale nada o anúncio de novas áreas protegidas ao longo da BR-163. A maior parte vai continuar sendo explorada. O restante dificilmente vai sair do papel.

21 de setembro de 2005 · 19 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

O Governo anuncia a criação de milhões de hectares de áreas protegidas ou unidades de conservação ao longo da rodovia BR-163, que une Cuiabá a Santarém, aquela que está sendo asfaltada e que tem sido tão comentada e criticada. A notícia, que a priori parece boa, traz escondida a triste verdade de pretensas ações ambientalistas deste governo.

Para começar, não há medidas que possam tapar a enorme destruição que já ocorreu e ocorre na região, em especial graças à estrada BR-163 e a seu asfaltamento de mais de 900 km. Sobre este assunto se tem escrito muito, inclusive nesta mesma coluna.

O anúncio da futura criação destas “unidades de conservação” já revela péssimas intenções, ao dizer que “a área a ser protegida é maior que o estado do Rio Grande do Norte”. Isso é uma mentira (palavra que utilizo apesar de ser de aplicação duvidosa, devido a seu profuso uso por políticos mentirosos… mas, não tem alternativa!), pois do total de 7,3 milhões de hectares, só de Área de Proteção Ambiental (APA), que não serve para nada, são 2,2 milhões de hectares (30%). Tanto Marc Dourojeanni, em “Unidades de Confusão” (31/07/2005), como eu mesma, em “Protegidas?” (12/12/2004), já explicamos porque as APAs não podem garantir a preservação da biodiversidade.

Continuando com a lista das pretensas unidades de conservação – chamo assim porque ainda não foram oficialmente estabelecidas -, são previstas três Florestas Nacionais (Flonas) ou estaduais: do Trairão (487 mil hectares), Amaná (545 mil), Jamanxim (1,35 milhão), Crepori (741 mil) e Iriri (441.900 hectares). Isto totaliza aproximadamente 3.565.000 hectares adicionais (49%). Mas, prestem atenção, estas unidades são de uso direto dos recursos naturais. Como já escrevi, apesar da lei, o bom senso indica que estas categorias não podem ser consideradas unidades de conservação. Nelas se explora a madeira e outros recursos e até se pode fazer mineração e instalar assentamentos humanos em porções significativas de seus territórios. Até hoje não existe uma só Flona bem manejada ou sequer razoavelmente preservada no Brasil.

Sobrariam então, como verdadeiras unidades de conservação ou áreas protegidas, o Parque Nacional ou Estadual (eles não definiram por enquanto o nível) do Jamanxim, com 866 mil hectares, o Parque Nacional ou Estadual do Iriri, com 442 mil, e 176 mil hectares de ampliação do Parque Nacional da Amazônia. Totalizam 1,48 milhões de hectares (20% do total). Se realmente os parques em processo de criação vierem a ser criados, e se a ampliação do Parque Nacional da Amazônia for facultada, apenas 20% da propaganda “ambientalista” do governo seria verdade. Mas estas três últimas unidades de conservação dependem de audiências públicas e é quase certo, nestas situações, que a pressão política inviabiliza o estabelecimento e a proteção das áreas. O que vão alegar para isso é que, considerando as outras categorias a serem criadas, estas seriam demais e que congelariam o desenvolvimento regional.

Também me pergunto se vale a pena estas medidas, em um momento histórico em que até o Parque Nacional do Iguaçu, proposto pelo nosso famoso Santos Dumont e o segundo estabelecido no Brasil (1939), razoavelmente bem implementado e sem problemas fundiários, vive invadido. Primeiramente pelos protegidos do MST e do PT, que quiseram forçar a concretização da estrada que cortaria o Parque ao meio, unindo Medianeira a Capanema. Agora, com a invasão dos indígenas guaranis (possivelmente paraguaios), que este governo não consegue resolver.

Por que então anunciam uma medida que não passa de intenção? Pior ainda, de uma intenção que só engana a opinião pública, já que este governo tem sistematicamente banalizado a proteção das unidades de conservação de uso indireto, ou seja, aquelas que realmente protegem a biodiversidade, e sequer consegue defender as estabelecidas há mais de 50, 60 ou 70 anos?

Outra coisa: para que anunciar como fato consumado medidas que ainda têm um longo caminho a percorrer? Sequer decidiram se serão estabelecidas, na hipótese de o serem, no nível estadual ou nacional. Por que o Ministério do Meio Ambiente não diz claramente à nossa gente qual é o truque das categorias, pois demagogicamente falam em uma APA de mais de 2,2 milhões de hectares, quando todos já sabemos e temos claras evidências e comprovações que esta categoria só serve para gastar o dinheiro público? Em APAs tudo é permitido. Não há mais restrições do que aquelas previstas na legislação orgânica para qualquer região do país, pois suas terras continuam em mãos de particulares e inexiste o domínio público. Assim, os limites de uso dos recursos naturais determinados por lei são os de qualquer lugar do Brasil (se alguém faz cumprir a lei, claro).

Este truque das categorias que não são de domínio público só tem sido útil para governos fazerem propagandas e para aqueles que realmente não se importam com a preservação da nossa biodiversidade. Se o governo anunciasse o efetivo estabelecimento dos dois possíveis futuros parques nacionais, com previsão de custos de implantação e manutenção, além do pessoal necessário, e esclarecesse o que vem a ser uma APA ou até mesmo uma Floresta Nacional ou Estadual, cujo objetivo precípuo é o de produção de madeira, prestaria uma informação fidedigna, respeitando os cidadãos ao invés de tapeá-los, para fazer boa figura.

Assim, tudo indica que os 7,3 milhões de hectares anunciados como em processo de criação, podem terminar em pizza, como quase tudo nestes dias. O que não tenho nenhuma dúvida é de que pelo menos a APA será criada sem restrições, com o aplauso geral e em especial daqueles que lá querem continuar a explorar madeira e a plantar soja.

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