Anita Roddick, fundadora da indústria de cosméticos The Body Shop e ativista do movimento ambiental, talvez seja um dos exemplos mais explícitos de que a oferta de produtos denominados ecologicamente corretos tornou-se sinônimo de lucro garantido. Fundada na década de 70, a empresa hoje tem mais de 2.000 lojas em 55 países e fatura 1,1 bilhão de dólares por ano.
Há quem tenha a certeza de que o sucesso da marca seja fruto da crescente conscientização da população mundial em relação à destruição da natureza. Eu acredito que Anita Roddick tenha conquistado o mercado por outros motivos. Na década de 70, a beleza tomou um aspecto moral explosivo. Os tradicionais estereótipos despencaram. A moda era desafiá-los. The Body Shop, desde o seu início, acompanhava esse movimento, conquistando seu espaço num mercado sedento de produtos que abominassem a “boneca de porcelana” como padrão de beleza.
Me lembro da primeira vez que me deparei com a linha Hemp, da The Body Shop, numa loja da rede em Madri. Produtos cosméticos feitos a base de cânhamo com uma folha de maconha impressa nos rótulos. Achei aquilo fantástico. Não pelas propriedades do cânhamo, mas pela ousadia. Óbvio que o lançamento da linha foi marcante. A reação negativa das autoridades foi benéfica para a empresa, exemplo clássico de publicidade gratuita.
Desde então, os produtos feitos a partir de ativos naturais vêm conquistando o mercado de cosméticos mundial. A fórmula do sucesso é o passado sendo redescoberto pelo futuro. É a tal onda do retrô. Este caminho mistura consagradas receitas herdadas de antepassados com uma necessidade coletiva e instintiva de se reaproximar daquilo que ficou para trás. Para fugir de “Tempos Modernos” e impessoais, o homem, ou no caso a mulher, resgata através dos produtos, suas origens na natureza e o valor do que é supostamente artesanal.
O mercado brasileiro de perfumes entrou na onda e ganhou tamanho de gente grande. Só a Natura movimentou no ano passado 2,5 bilhões de reais em vendas. O Boticário, maior rede de franquias de cosméticos e perfumaria do mundo, tem 520 lojas e pontos de venda no exterior e 2.198 distribuídas em todos o Brasil.
De acordo com Marcelo Martins, gerente de Marketing Fine Fragrances & Personal Care da International Flavors & Fragrances (IFF), a entrada das grandes marcas importadas no mercado brasileiro fez com que os nossos consumidores tivessem acesso a perfumes de prestígio mundial e forte apelo ambiental. Para competir, a indústria brasileira teve de aumentar os investimentos e melhorar a qualidade de seus produtos tendo como referência as fragrâncias francesas, italianas e americanas e as pioneiras nesse ramo, as inglesas. Sobretudo, aprendeu com suas “primas” de fora a abusar da ecologia para sensibilizar as consumidoras.
Bom exemplo é o Perfume do Brasil, da Natura, um dos lançamentos marcantes da perfumaria nacional. Com design inovador e matéria-prima essencialmente natural e brasileira, ele é considerado um marco na história da perfumaria fina nacional e internacional. Os grandes lançamentos feitos no “estrangeiro” ainda são os mais importantes mundialmente. No entanto, a indústria de perfumes brasileira, já virou referência internacional por causa do uso de matérias-primas exóticas e singulares como o breu branco e o cumaru, elementos ativos do Perfume do Brasil, da Natura. É coisa para deixar Anita Roddick com água na boca.
O breu branco é extraído de Reserva Extrativista na Amazônia de acordo com as regras estabelecidas pela própria empresa para evitar oscilações na qualidade do produto. Para isso, a Natura montou uma equipe de profissionais – biólogos, ambientalistas, perfumistas, engenheiros – que monitora freqüentemente toda a trajetória percorrida pelo breu branco e a qualidade de cada etapa do processo.
Apesar de considerar toda esta iniciativa exemplar, acredito que o sucesso dos cosméticos ainda não esteja atrelado ao que é ou não é ecologicamente correto. Mas, saber se o processo de fabricação ou distribuição dos produtos realmente segue rígidas normas de proteção ao meio-ambiente, ainda não é a prioridade nem o fator decisivo no momento da compra. Ajuda, claro, no impulso da compra. Mas está longe de significar a massificação do consumo do que possa ser qualificado como ecologicamente correto.
Não é preciso muito para conquistar o publico feminino “alternativo chique”. Na maioria das vezes, basta usar uma embalagem que lembre antigas boticas e fotografias publicitárias daquelas que deixam caboclos famintos com cara de obra de arte. Isso já é o suficiente para posicionar o produto e a marca na prateleira certa do inconsciente feminino.
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