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Alcance limitado

A responsabilidade social e ambiental dos investidores pode gerar crescimento nos mercados emergentes? Diversos entraves têm colocado em dúvida esta tese.

26 de novembro de 2004 · 19 anos atrás

Se finanças sustentáveis ainda são um assunto relativamente novo no mundo desenvolvido, o que dizer dos mercados emergentes? A questão esteve em pauta em uma conferência internacional que aconteceu em São Paulo no início da semana passada, organizada pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-SP e pelo International Finance Corporation (IFC), o braço do Banco Mundial focado nas empresas privadas.

Como já discutimos em colunas anteriores, o tema dos investimentos sustentáveis tem gerado muita atividade intelectual e comercial, mas falta consenso além das definições mais básicas. Há diversas estratégias diferentes, mas os profissionais da área ainda discutem como medir a sustentabilidade social e ambiental de uma empresa, e como combinar essa avaliação com os parâmetros tradicionais de análise de investimentos. Repete-se aqui e ali que sensibilidade para os aspectos sociais e ambientais é um indicador de gestão de qualidade, e portanto comprar ações dessas empresas tenderia a ser bom negócio. Mas isso está longe de ser provado.

A aplicação do conceito das finanças sustentáveis aos mercados emergentes traz um novo elemento de complexidade à análise. Mas o que é mesmo um mercado emergente? O conceito perdeu um pouco de credibilidade depois das crises monetárias do fim dos anos 90, mas não é inútil como ferramenta de raciocínio. Parte-se da premissa que no longo prazo as economias em desenvolvimento devem convergir com as economias desenvolvidas. Para que isso aconteça, as economias emergentes devem crescer mais rápido do que as economias maduras. Como o preço das ações tende a guardar relação com o tamanho da economia onde as empresas atuam, ações emergentes deveriam ser, no longo prazo, excelente negócio, pois devem se valorizar mais do que as ações de empresas de economias maduras.

Na prática, o investimento em mercado emergentes tem se revelado uma disciplina difícil. Os desafios variam de país para país, mas os seguintes temas têm sido recorrentes: alto risco e volatilidade, falta de regulamentação adequada, poucos papéis de qualidade e baixa liqüidez. Mas se o investimento sustentável parte de um imperativo moral, não há como justificar sua ausência dos mercados emergentes, mesmo porque é neles que se encontram alguns dos maiores problemas sociais e ambientais do planeta.

Ainda assim, o montante de investimento socialmente responsável (ISR) em mercados emergentes permanece pequeno. Dados do primeiro estudo do IFC sobre o assunto indicam que o total chega a US$ 2,7 bilhões, dos quais US$ 1,5 bilhão de fundos e investidores institucionais situados em países desenvolvidos, e o restante (US$ 1,2 bilhão) de mercados emergentes – valores minúsculos diante do total de mais de US$ 2 trilhões em ISR. A maior parte desses recursos é administrada por investidores institucionais que aplicam critérios de peneiragem social e ambiental aos seus investimentos. A participação de pequenos investidores através de fundos de varejo ainda é pequena.

O estudo cita uma série de razões para isso, muitas das quais corroboradas por participantes do seminário. Em primeiro lugar está a ignorância dos investidores dos países ricos a respeito dos mercados emergentes. Segundo o IFC, os investidores que buscam fundos ISR não diferem da média do mercado nesse aspecto, e os gestores de fundos ISR têm outras prioridades, como a formação de cestas completas de produtos voltados ao mercado doméstico.

Outra barreira importante seria a falta de informação sobre as empresas e mercados O ISR depende da disponibilidade de informações das próprias empresas e de observadores independentes. Isto significa, em primeiro lugar, que se necessita de um mínimo de padrões de governança corporativa, para garantir o acesso à informação confiável e verificável. Por outro lado, o crescimento do investimento sustentável tende a se auto-alimentar, na medida em que o surgimento dos investidores locais que demandam esses padrões de comportamento e de divulgação cria as condições para que os fundos internacionais se sintam mais confortáveis em investir nesses países. O problema é que em geral os mercados financeiros dos emergentes são pequenos, e não há muito espaço para investir com responsabilidade social.

Finalmente, há os problemas analíticos. Não existem ainda critérios padronizados de avaliação de práticas empresariais sustentáveis, e há uma questão de fundo razoavelmente complexa, que diz respeito às prioridades de um investidor ético em um país em desenvolvimento. Um exemplo disso: a economia chinesa cresce rapidamente, tirando milhões de chineses da pobreza todo ano, o que é bom. Mas ao mesmo tempo, há quem acredite que o planeta não sustenta níveis de consumo de país rico para bilhões de chineses. A questão é saber qual atitude deve tomar nesse caso um investidor preocupado com sustentabilidade.

Todas essas barreiras aparecem claramente no caso brasileiro. O mercado financeiro brasileiro é bastante sofisticado, mas dominado por instrumentos de renda fixa, em sua grande maioria emitidos pelo governo. Não sabemos se esse investimento é sustentável, mas sabemos que o mercado de fundos ISR ainda é bastante pequeno, com um total de ativos que não chega a R$ 100 milhões. Seu pequeno tamanho não justifica grandes investimentos por parte de consultores e intermediários financeiros para investigar as práticas das empresas abertas. Governança corporativa é uma preocupação crescente, e há sinais muito positivos de que o mercado não tolera mais determinados hábitos que foram corriqueiros no passado.

Resta a questão do foco. Empresas e investidores socialmente responsáveis não fazem mal, mas será que fazem muito bem? Se olharmos para os maiores problemas ambientais brasileiros, veremos que a responsabilidade direta das grandes empresas abertas sobre eles é relativamente pequena. As grandes empresas brasileiras, mesmo aquelas cujas atividades por sua própria natureza implicam em grande impacto ambiental, são responsáveis, procuram trabalhar dentro das normas mais avançadas de governança, e procuram fazer com que seus fornecedores também o façam. Isso acontece não por causa de um sentimento superior de consciência social e ambiental, mas sim por que o próprio tamanho as torna visíveis e visadas. O problema está no setor informal, que não sofre qualquer tipo de fiscalização. Esse o ISR não atinge.

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