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Sala Verde, frutos maduros

Bocaina ganha uma "Sala Verde" que vai discutir soluções para os problemas ambientais, em parceria com prefeituras e comunidades. O projeto nasce promissor.

28 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

Nesta sexta-feira, dia 4 de novembro, a população do Vale do Paraíba vai ganhar um presente de Natal adiantado. Na data vai ser inaugurada, na bucólica vila de Arapeí, a Sala Verde Sertões da Bocaina.

A sala faz parte de um projeto do Ministério do Meio Ambiente, criando uma rede de espaços destinados à discussão dos diversos ecossistemas brasileiros e seus problemas. Já nasce frondosa. Se o tronco foi fornecido pelo Projeto do Governo Federal, os galhos são compostos por uma entidade séria e experiente. Trata-se da ANPED, Associação Nacional de Pesquisa em Design, cujas histórias de sucesso na área ambiental permitem um prognóstico sonhador.

Os objetivos da Sala são modestos e factíveis. Segundo o Professor João Lutz, coordenador do Projeto pela ANPED, a Sala objetiva “promover a integração do setor público, do terceiro setor e da iniciativa privada, através da articulação e implementação de parcerias e de se promover a definição de um modelo que possa ser replicado em outras situações a partir da realização de pequenos reajustes”. O leitor, naturalmente, já ouviu essa chorumela antes. O colunista também. Textos assim recheiam os planos de manejo das Unidades de Conservação Brasil afora. Enfeitam livros, que por sua vez decoram estantes empoeiradas, à espera de leitores com espírito prático. Raramente saem do papel. No caso da Sala Verde Sertões da Bocaina, contudo, há boas razões para se ter uma expectativa positiva.

A equipe de João Lutz, que conta com cinco professores doutores e quatro mestres, tem cancha em transformar papel em realidade. Um de seus projetos mais bem-sucedidos, a Trilha da Catacumba, desenvolvido em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, é prova disso. Iniciado em 1998, o projeto recuperou a trilha ao Mirante de Sacopã no bairro carioca da Lagoa, onde implantou e mantém até hoje sinalização educativa e direcional. Desde então, a trilha já recebeu mais de 40 mil excursionistas, entre os quais estão incluídas diversas visitas monitoradas de escolas municipais e estaduais. O projeto, que inclui até aqui o reflorestamento com 500 mudas de espécies nativas, também tem sido sítio de pesquisas botânicas e históricas que já geraram a publicação de sete trabalhos científicos.

É esse modelo vitorioso que a ANPED pretende replicar em Arapeí, onde quer trabalhar em parceria com o Parque Nacional da Bocaina, com as Prefeituras Municipais de Arapeí, São José do Barreiro e Bananal, com proprietários rurais e com empresários da região para desenvolver inúmeras atividades. O escopo do projeto é amplo e diversificado. Inclui desde oficinas de educação ambiental até a capacitação de monitores de trilhas, passando por reflorestamento de matas ciliares e projetos de capacitação em ecoturismo para pequenos e médios proprietários locais. Nesse último item, o projeto é ambicioso pois quer incentivar um ecoturismo que “não seja apenas fonte de renda para sobrevivência, mas também uma atividade que gere trabalho e renda para a população local e ao mesmo tempo impeça a deterioração ambiental e eduque os visitantes”.

Mas, se o objetivo é ambicioso, seu planejamento tem os pés no chão. No primeiro ano, a Sala pretende interagir sobretudo com a única escola municipal de Arapeí, com escolas particulares e com as populações ribeirinhas, por meio de oficinas e trabalhos de campo voltados para alunos, professores e moradores das áreas afetadas. Os temas abordados no período serão: a importância da recuperação de áreas degradadas, a necessidade de se preservar os mananciais e as soluções para o destino final do lixo. Em paralelo às oficinas, os professores doutores e mestres também desenvolverão pesquisas utilizando a metodologia Pesquisação, muito similar à pedagogia de Paulo Freire, que prega o engajamento dos pesquisadores com as comunidades envolvidas na procura de soluções práticas para problemas reais.

Para fazer isso tudo, a Sala Verde da ANPED contará com um salão de 63 metros quadrados, mobiliado com 28 carteiras escolares, televisão, vídeo, computador com acesso à internet, biblioteca de 100 volumes e monitor em tempo integral. Para as visitas a campo e aulas itinerantes, ainda há uma Sala Verde Móvel: uma Toyota Bandeirante com motogerardor de eletricidade, telão, projetor de slides e televisão, além de lonas e toldos de proteção para os dias de chuva e equipamento para pernoite nos sertões, tal como barracas, mesas e fogareiros.

A Sala, nunca é demais repetir, abre na próxima sexta-feira, com festa de inauguração na rua Ernani Graca 115, no centro de Arapeí. Para o leitor do Rio que não puder fazer o esforço da viagem até o Vale do Paraíba para compartilhar da festa, sempre existe a possibilidade de dar um pulinho até a Trilha da Catacumba. Ali, nesses tempos de desilusão, vai ver um pequeno Brasil que deu certo e – por que não? – sentado no alto do Mirante de Sacopã, vai sonhar com uma floresta de salas verdes, que só o carinho de quem acredita no que faz pode regar até a maturidade viçosa.

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