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Nova Zelândia de bicicleta, Brasil de velocípede

Em vez de proibir bicicletas em áreas protegidas, a Nova Zelândia ordenou a diversão. Com placas e trilhas demarcadas, dá para curtir a natureza em duas rodas.

8 de fevereiro de 2006 · 18 anos atrás

Pedalar no mato é uma atividade que cada vez mais atrai praticantes ao redor do mundo. É exercício de primeira categoria, associado ao prazer de estar suando em meio à natureza. Somados Estados Unidos, Europa, Austrália e Canadá os ciclistas de montanha já se contam na casa dos milhões. No Brasil, o esporte também tem uma multidão de adeptos.

Infelizmente, contudo, como tratei na coluna “Bicicleta no Mato” aqui em O Eco, os entusiastas do “mountain bike” não têm muitos amigos no setor de administração de parques. As bicicletas são poderosos agentes erosivos que tendem a destruir trilhas. Assim, é compreensível que os responsáveis pelo manejo de ecossistemas frágeis tentem evitar ao máximo a presença das magrelas em seus parques.

Este é o caso da Nova Zelândia, que é um dos 34 hotspots do mundo e tem um dos ecossistemas mais impactados do planeta. Lá os responsáveis pelo manejo das áreas protegidas se desdobram para resguardar o pouco que sobrou intacto do “hotspot” após 200 e poucos anos do impacto degradante que chegou junto com a colonização européia. Destruição de solos, introdução de espécies invasoras agressivas e ameça de extinção às espécies endêmicas (das quais 23 já estão extintas) são problemas corriqueiros no país. Apesar disso, os direitos dos cidadãos ciclistas continuam resguardados no marco das unidades de conservação públicas.

Se todos concordam que, no quadro frágil de um “hotspot”, não é ecologicamente aconselhável franquear as trilhas dos parques nacionais para “mountain bikes”, os responsáveis pelo manejo na Nova Zelândia encontraram saídas criativas para o problema. A solução foi criar ampla infra-estrutura para o esporte em algumas florestas públicas e outras áreas menos frágeis.

Em vários pontos do país há florestas que oferecem centenas de quilômetros de trilhas entre pinheiros, eucaliptos e outras árvores exóticas. Todas muito bem sinalizadas e com manutenção impecável. Na capital Wellington, os locais onde é possível pedalar em meio à natureza são tantos que a cidade já está se auto-intitulando capital mundial do “mountain bike”. E não é figura de retórica. O município patrocinou a criação de um plano estratégico para a atividade nas áreas verdes de Wellington. Deu tão certo que já é comum encontrar turistas, tanto neo-zelandezes quanto estrangeiros, que viajam a Wellington apenas para pedalar suas magrelas.

Mas Wellington não está só! Localizada a apenas cinco minutos do centro de Rotorua, outra das maiores cidades do país, a Whakarewarewa Forest tem uma malha de 40 km de trilhas dedicadas exclusivamente à prática de “mountain bike” para ninguém botar defeito.

As trilhas foram projetadas pela comunidade “biker” e construídas por condenados do sistema penal neo-zelandês, através de um programa que possibilita aos presidiários reduzir sua pena, ao realizar trabalhos comunitários.

Trilhas para todos os gostos

Apesar da malha ser longa, as trilhas esquadrinham apenas uma fração de 288 hectares da Floresta de Whakarewarewa, escolhidos por ter solo mais resistente à erosão. O sistema de sinalzação e graduação, que serve de guia para o usuário, inspirou-se no utilizado em estações esqui. Sinalizadas com setas que têm cores diferentes, as diversas trilhas se interconectam e atendem às aspirações de todos os amantes do esporte. Há desde percursos planos e largos para a pedalada em família, até trilhas radicais para adolescentes dispostos a arriscar quedas e sair da floresta cobertos de arranhões e hematomas.

Seu desenho, quase sempre em circuitos circulares, incorpora curvas técnicas e “down hills” para todos os níveis de praticantes. Não há nenhuma subida que não possa ser vencida sem a força do pedal. Sobre todos os rios e córregos foram construídas pequenas pontes. A medida é conforto para os esportistas que, em nenhum momento, precisam desmontar de suas bicicletas, mas também serve para resguardar as margens dos cursos d’água. Isso evita o alargamento da trilha, típico nas bordas dos rios, cujo ponto de travessia ideal muda muito, variando de acordo com a quantidade de água e a correnteza no momento de cada pedalada.

Com um “play ground” desssa qualidade à sua disposição, a vasta maioria dos “bikers”, sempre que vai pedalar, se dirige ao triângulo de Tokorangi, como é conhecida a parte de Whakarewarewa dedicada à prática do “montain bike”. Quando cansam da área, procuram outras similares, como as disponíveis em Wellington. Com efeito, o interesse é tamanho que já está tendo impactos econômicos positivos. Estimulou uma pequena indústria de aluguel e manutenção das magrelas, cujas lojas e oficinas são lugar comum na entrada das trilhas de “bike” da Nova Zelândia.

A solução neo-zelandesa é exemplo a ser seguido no Brasil. Em vez de proibir o uso de suas trilhas por “mountain bikes” – e, como na Floresta da Tijuca, ter que se defrontar com o problema quase insolúvel de ver ecossistemas frágeis pedalados ilegalmente na base diária – os responsáveis pela administração das áreas protegidas da Nova Zelândia preferiram trocar o manejo reativo por uma atitude propositiva. Ao proverem o país com extensa rede de trilhas para o ciclismo de montanha, efetivamente protegeram seu frágil “hotspot” muito melhor do que teriam feito com qualquer interdição policialesca. Hoje não há necessidade de proibir. Com tantas trilhas especialmente projetadas para o “mountain bike” em lugares de pouca sensividade ecológica, ninguém quer pedalar nas picadas mais ambientalmente sensíveis do “hotspot”. Protegidas das rodas e dos cortadores de atalhos, as 1.865 espécies vegetais endêmicas do arquipélago neo-zelandês agradecem.

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