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O inimigo oculto

A economia informal é uma saída fajuta para os pobres e um problema a mais para os ambientalistas. Num país onde a lei não funciona, a natureza paga a conta.

25 de novembro de 2005 · 19 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Apesar da relação entre favelas e meio ambiente ser indireta, volto a argumentar que é importante. Me arrisco a estender o argumento: o crescimento das atividades informais é uma das grandes barreiras à proteção ambiental. No Brasil, temos muitas evidências de que elas estão aumentando. E não são só as favelas, já presentes em 30% dos municípios brasileiros. Outro exemplo marcante é que, hoje, mais da metade dos trabalhadores brasileiros não tem carteira assinada.

No Rio de Janeiro, a parcela do transporte público feita por vans e ônibus piratas é cada vez mais visível. Em bairros importantes, como o Centro ou Copacabana, os camelôs cobrem as calçadas. Um em cada cinco cariocas mora em uma favela, número que cresce oito vezes mais rápido do que os moradores do asfalto. A divisão deve ficar meio a meio nas próximas três décadas. Enquanto isso, as invasões comem 1% da floresta da área da floresta da Tijuca por ano.

Não conseguimos manter dentro da lei as habitações, os negócios e as relações de trabalho. Como, então, conseguiremos aplicar as leis ambientais, se, para nós, elas ainda são um requinte de civilização? As regras ambientais dizem respeito ao bem-estar coletivo e, em geral, se aplicam ao espaço público. Elas não moverão os cidadãos, se eles estão ocupados em driblar a lei para sobreviver ou para defender seus direitos mais básicos.

Entender as causas e buscar soluções para a informalidade é, no mínimo, uma atividade paralela a defesa do meio ambiente. Quando a justiça e a polícia não estiverem afogadas em outras questões, sobrará tempo e recursos para fazer cumprir a legislação ambiental. Dessa forma, recomendo a quem se interessa pelo problema ler Hernando de Soto, o economista peruano que ficou mundialmente famoso saindo em campo e botando a mão na massa para entender as atividades informais.

População urbana

O livro que lançou Soto foi El otro sendero (traduzido na edição brasileira para “Economia subterrânea”), que significa “o outro caminho”, uma alusão ao grupo terrorista Sendero Luminoso, de orientação marxista-maoísta. Nele, Soto argumenta que o excesso de burocracia e de legislação, alienada dos costumes e das necessidades, empurrou os peruanos pobres para a economia informal. Entre a Segunda Guerra e o final do século XX, o governo peruano sancionou 28 mil novas leis por ano, mais de 100 por dia útil.

Nesse mesmo período, o Peru passou por um intenso processo de urbanização (caso semelhante ao Brasil). No campo, as oportunidades minguavam e as cidades ofereciam várias atrativos. Principalmente Lima, a capital. Lá, os salários eram mais altos, havia melhores oportunidades de educação e serviços médicos. Com isso, um enxame de camponeses baixou nas cidades, aumentando a população urbana cinco vezes. A mortalidade infantil urbana era menor. Isso fez com que, ao longo do tempo, crescesse ainda mais a proporção da população urbana formada por migrantes e seus descendentes.

Mas a antiga elite, branca e de ascendência hispânica, ainda detinha o poder político e resistia a invasão. E morava na capital. Desde a década de 30, já havia sido proibida a construção de apartamentos baratos em Lima. Em 1946, um senador tentou, sem sucesso, aprovar uma lei proibindo as migrações internas. Outra medida para conter a migração, foi concentrar no campo os programas governamentais de assistência à pobreza.

Enquanto a elite política sonhava em conter o processo de urbanização, os recém-chegados precisavam de moradia, trabalho e locomoção. Tiveram que resolver o problema com as próprias mãos. De acordo com os levantamentos de Hernando de Soto, entre 1960 e 1984, o governo peruano gastou apenas 173 milhões de dólares com habitação popular, contra 8,3 bilhões investidos na construção informal, ou 47 vezes mais.

Ônibus pirata

Seu time de pesquisadores saiu em campo para tentar medir os custos de viver sob o peso de um sistema legal asfixiante. Um dos experimentos foi abrir legalmente, em Lima, uma pequena confecção. Sem pagar subornos. Na época, isso exigiu 289 dias a um custo de US$1.230, igual a 32 salários mínimos. Não foi possível evitar completamente o pagamento de propinas. Para chegar ao fim do processo foi necessário pagar duas, entre dez cobranças. Os levantamentos constataram que abrir, legalmente, um pequeno quiosque levava 43 dias e custava US$560, ou 15 salários mínimos. Legalizar uma casa popular levava seis anos e 11 meses, passando por ministérios e prefeituras, com um custo de US$2.150, ou cerca de 56 salários mínimos.

A leitura de El otro sendero, lançado em 1986, é desconfortável e, ao mesmo tempo, fascina. Parece que o livro foi escrito sobre o Rio de Janeiro, e outras grandes cidades brasileiras, hoje. Felizmente, ainda estamos atrasados com relação aos peruanos. Naquela época, 95% do transporte público de Lima era informal. Acho que ainda não chegamos lá, mas estamos tentando. Pelo menos é a sensação ao ver, com cada vez mais freqüência, a fumaça negra que exala dos ônibus piratas. É triste.

Em um levantamento, de meses atrás, sobre os países com maior números de empreendedores, o primeiro lugar ficou com o Peru. Se não me engano, o Brasil ficou em sétimo. Ambos os países na frente dos Estados Unidos, onde se leva um dia para cumprir o ritual burocrático da abertura de um pequeno negócio. Aposto que uma grande parte desses pequenos empresários brasileiros e peruanos adorariam um emprego.

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