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Carne ilegal é perigosa, antissocial e insustentável

Há risco de 30% de que a carne que você consome seja oriunda de abates clandestinos. Ela pode transmitir doenças e vir de terra desmatada.

29 de abril de 2013 · 12 anos atrás
  • Paulo Barreto

    Sonha com um mundo sustentável e trabalha para que este desejo se torne realidade na Amazônia. É pesquisador Sênior do Imazon.

  • Daniel Silva

    Daniel Silva é economista e Pesquisador Assistente do Imazon

Será que a carne que você consome é legal? Foto: borkazoid/Flickr.

Você aprecia uma picanha suculenta? Não resiste a um hambúrguer? Gosta de se esbaldar em uma churrascaria? Então é melhor se preocupar. Considerando estimativas recentes, há um risco de 30% de que a carne que você consome seja oriunda de abates clandestinos – o que significa risco de contrair doenças graves, seja por falta de higiene no abate ou porque o gado abatido estava doente. Há também o risco de que sua picanha seja produzida em fazendas que tenham praticado desmatamento ilegal, degradem o solo e poluam os rios. Seus trabalhadores podem ser maltratados (legalmente análogos a escravos).

O desmatamento ilegal ocorre principalmente na Amazônia, que concentra cerca de um terço do rebanho bovino brasileiro e vende para supermercados das principais metrópoles do país. Felizmente, há órgãos públicos e iniciativas de empresas e da sociedade civil empenhados em reduzir esses problemas.

Em 2009, ações do Ministério Público Federal (MPF) fizeram os principais frigoríficos do Pará se comprometerem a comprar carne apenas de fazendas que começassem a regularização ambiental, que não constem da lista de trabalho escravo, da lista de áreas embargadas pelo Ibama e estejam fora de áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas). O fato de grandes redes de supermercados e indústrias de couro terem suspendido as compras dos frigoríficos denunciados pelo MPF foi decisivo para o sucesso da iniciativa.

Desde que os frigoríficos implementaram o acordo, o número de fazendas registradas no Cadastro Ambiental Rural do Pará subiu de 400 para mais de 70 mil. Este registro e a fiscalização ajudaram o Pará, desde 2009, a contribuir com a maior queda do desmatamento em comparação com os outros estados da Amazônia.

Ainda em 2009, uma campanha do Greenpeace levou os quatro maiores frigoríficos do país a se comprometerem a adotar regras similares aos do Termo de Ajuste de Conduta no Pará para todas as compras de gado na Amazônia. Em 2010, ações do Ministério Público Federal levaram a novos acordos com parte dos frigoríficos do Mato Grosso e do Acre.

Entretanto, apesar desses avanços institucionais, o desmatamento de agosto de 2012 a março de 2013 aumentou cerca de 90% em relação ao mesmo período anterior, segundo análise de imagens de satélites realizadas pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Este fato mostra que quem desmata ilegalmente ainda encontra mercado para vender seu gado.

Como avançar

“Existem barreiras que dificultam uma transição rápida das fazendas para a sustentabilidade. Pequenos produtores têm dificuldade em obter assistência de alta qualidade. Outros têm acesso a capital e tecnologia, mas temem investir, pois não possuem o título das terras que ocupam.”

Terceiro, há indícios de que alguns fazendeiros aprenderam a burlar o embargo realizado pelo Ibama. Por exemplo, um fazendeiro que teve sua área embargada (e que portanto tem seu CPF em uma lista de embargo) aluga seu pasto embargado para outro com CPF limpo que engordará o gado e venderá para o frigorífico.São várias as brechas para a venda de gado de áreas desmatadas ilegalmente. Primeiro, boa parte dos frigoríficos não assinou Termos de Ajuste de Conduta e continuam comprando de fontes ilegais. Dia 15 de abril deste ano, o Ministério Público Federal denunciou 26 frigoríficos por essas práticas em Mato Grosso, Rondônia e Amazonas. Segundo, os compromissos já assinados pelos frigoríficos atingem apenas a compra do boi gordo. Porém, as fazendas especializadas na pecuária de cria ainda estão livres para vender os bezerros e novilhos para as outras fazendas especializadas em engorda de boi.

Portanto, para garantir que a carne seja produzida de forma sustentável e higiênica ainda são necessários avanços de monta. Um problema estratégico é que as ações das principais empresas do setor até agora têm sido, em grande parte, reativas e restritivas – por exemplo, deixar de comprar de quem não cumpriu determinada regra. Este tipo de medida é necessária, mas insuficiente.

Um estudo global do Boston Consulting Group mostrou que empresas em países emergentes que avançaram em sustentabilidade ambiental e aumentaram seus lucros adotaram abordagens sistêmicas, de longo prazo e envolvendo clientes e fornecedores. Uma empresa só consegue ser sustentável se a sua cadeia de negócios é sustentável.

No caso da pecuária, será necessário ir além de coibir o desmatamento. Por exemplo, para garantir a produção no futuro, as fazendas devem produzir mais nas áreas já desmatadas e recuperar áreas que foram degradadas. Para tanto, será necessário melhorar as condições de trabalho, capacitar os funcionários das fazendas e investir em tecnologia.

Contudo, existem barreiras e ineficiências que dificultam uma transição rápida das fazendas para a sustentabilidade. Por exemplo, pequenos produtores têm dificuldade em obter assistência de alta qualidade, que seria cara individualmente. Outros têm acesso a capital e tecnologia, mas temem investir, pois não possuem o título das terras que ocupam.

Segundo o governo federal, são cerca de 50 milhões de hectares de terras federais na Amazônia ocupadas sem títulos. Além disso, existem vários milhões de posses em terras sob jurisdição estadual. Os programas de regularização fundiária têm avançado lentamente.

As empresas do setor de carne que se dizem comprometidas com a sustentabilidade deveriam apoiar os fazendeiros de boa fé a enfrentarem essas barreiras. Os frigoríficos, por exemplo, podem ajudar pequenos produtores a terem acesso à tecnologia por meio de cooperativas. As associações dos frigoríficos e dos supermercados poderiam pressionar as autoridades a acelerarem a titulação de terras daqueles que têm direitos legitimáveis (por exemplo, excluindo as terras que são Unidades de Conservação, Terras Indígenas e ocupadas por populações tradicionais) e que estejam dispostos a pagar um preço justo pela terra. Desta forma, os fazendeiros teriam mais segurança para investir no aumento da produtividade e na restauração de áreas degradadas.

Ao mesmo tempo, os líderes do setor deveriam ser mais enfáticos em cobrar das autoridades o fim dos abates clandestinos que põem em risco a saúde dos consumidores e que competem injustamente com quem segue as regras sanitárias.

Esse esforço coletivo certamente será trabalhoso. Mas qual a alternativa? Continuar colocando na mesa do consumidor carne com enormes riscos legais, sanitários e socioambientais.

 

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