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Larva com distintivo

Insetos ajudam a Polícia a desvendar crimes no Brasil. A entomologia forense ganhou credibilidade e pode apontar quando, onde e como as mortes aconteceram.

Carolina Mourão ·
1 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

Na pista de um assassino em série, a novata agente Clarice Starling é destacada para entrevistar um psiquiatra canibal, o doutor Hannibal Lecter. Ele é profundo conhecedor da mente criminosa e vai ajudá-la a capturar o assassino, cujo padrão de ação é tirar a pele das vítimas e depositar uma espécie de casulo de mariposa em suas gargantas. No clássico suspense O Silêncio dos Inocentes, os protagonistas encenados por Jodie Foster e Anthony Hopkins têm nas pistas deixadas, como o inseto, uma importante ferramenta para chegar ao homicida.

Há registros da utilização de insetos para esclarecer crimes desde 1850. Mas a chamada entomologia forense ganhou credibilidade a partir da década de 1920. A especialidade permite estimar quando, onde e como ocorreu uma morte de uma pessoa. A Universidade de Brasília (UnB) transformou a entomologia forense em disciplina, o que provocou a criação de laboratório-piloto. Coordenado pelo professor de entomologia e parasitologia José Roberto Pujol Luz, o Laboratório de Dipterologia (estudo das moscas) do Departamento de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas coleta dados amostrais desde junho de 2003.

A iniciativa surgiu no Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Distrito Federal, a partir da proposta de um perito em criminalística – Luciano Arantes, biólogo formado pela UnB – que atuou no laboratório de DNA forense. “O convite pegou todo mundo desprevenido, porque durante muito tempo só se ouviu falar deste trabalho no Brasil em Campinas e no Paraná. Mas estávamos preparados para atender ao chamado. Temos profissionais de referência aqui em Brasília”, lembra José Roberto.

O trabalho de maior alcance realizado pela equipe do laboratório ajudou a Polícia Federal a montar o cenário do massacre de garimpeiros de diamantes pelos índios cintas-largas, no interior da reserva indígena Roosevelt, em Rondônia. O caso, que ainda é objeto de investigação, foi manchete em todos os jornais da época. Depois de muitos conflitos e troca de ameaças, no dia 7 de abril de 2004, cerca de 100 cintas-largas emboscaram 150 garimpeiros, matando 29 deles com golpes de borduna, facas, flechas e tiros. Os corpos foram encontrados já em adiantado estado de decomposição. Saber há quanto tempo os garimpeiros haviam morrido era a grande pergunta para tocar as investigações. “Um perito colheu amostras de larvas e trouxe para o laboratório. Criamos 300 larvas pinçadas dos corpos, e os cálculos apontaram um ciclo de vida de 14 dias, então estimamos que os corpos estavam ali há aproximadamente duas semanas”, explica José Roberto. “Mas a nossa parte do trabalho é apenas uma pequena contribuição em uma investigação complexa, que depende de outras variáveis para chegar a alguma conclusão definitiva”.

Para a Polícia Federal de Rondônia, que cuidou do caso dos cintas-largas, o trabalho da equipe em Brasília representou mais do que uma simples contribuição. “Ele está sendo modesto. Saber a data do crime foi fundamental, diria decisivo, para o andamento do caso”, encerra Denis Peters, perito-chefe do setor técnico e científico da polícia de Rondônia.

O trabalho forense de Pujol começou em outubro de 2003, quando ele e seus alunos analisaram larvas e insetos coletados num experimento tradicional para estabelecer parâmetros de análise em entomologia legal. Em junho deste ano, depois de sacrificar três porcos, deixaram os cadáveres num descampado na fazenda experimental da UnB, em Água Limpa, dentro de gaiolas especiais para que os insetos fossem retidos ali. Periodicamente, os especialistas iam ao local coletar espécimes, fotografar e filmar o processo de decomposição. O motivo da experiência, autorizada pela Comissão de Ética e Pesquisa da universidade, é que a decomposição do porco é praticamente idêntica à do ser humano. “Mais do que isso, a fauna que procura a carcaça do suíno exposto é a mesma que aparece em cadáveres humanos”, ressalta o cientista.

Segundo Janyra Oliveira-Costa, do Departamento de Polícia Técnica e Científica do Rio de Janeiro, o sistema formado pelos insetos em corpos em decomposição pode ser estudado com várias metodologias e aplicado de diversas maneiras, apontando evidências de outros tipos de ocorrências. “Insetos têm preferência distinta em realizar postura em ambientes internos ou externos, e em diferentes condições de sombra e luz, revelando detalhes de um quebra-cabeças. Eles testemunham o fato e registram em seus organismos aquela passagem”, resume. “Se um cadáver é encontrado na cidade e o inseto encontrado no corpo é típico da área rural, o crime não pode ter sido cometido na cidade, por exemplo”.

Priscila Madsen, orientanda de Pujol, dá outro exemplo: “Se uma pessoa ingeriu cocaína, heroína ou se morreu de overdose, as larvas estarão repletas dessas substâncias”. Se a morte foi por ingestão de chumbinho, um raticida conhecido, acontece o contrário. “O veneno afasta as moscas e, se for este o motivo, não haverá larvas naquele cadáver”, afirma a estudante de Biologia. No combate ao tráfico de drogas, entorpecentes como a cocaína e o crack, por exemplo, ficam impregnados nas larvas. Os insetos acompanhantes da maconha, retidos ali no momento da prensagem, traçam a rota do tráfico por meio de sua distribuição geográfica. “A tendência é aumentar o número de especialistas no assunto no Brasil. Já formamos 78. Como no filme americano, um inseto pode ajudar a polícia brasileira a chegar ao criminoso”, garante.

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