A China vem se habituando a figurar nas manchetes internacionais. Na maioria das vezes, a mídia se desdobra em adjetivos para descrever esse gigante, com um exército de quase 1,3 bilhão de soldados, que vem tomando de assalto a economia mundial, que até bem pouco tempo lhe era proibida. Mas, ultimamente, as manchetes sobre o país têm mudado de foco. São os gravíssimos problemas ambientais chineses, diretamente proporcionais à sua população, que andam nas primeiras páginas dos jornais.
Para quem não se lembra, desde o final do ano passado a China sofreu diversos graves acidentes ambientais que foram notícia no mundo todo. Em novembro de 2005, a explosão de uma usina petroquímica derramou 100 toneladas de benzeno e nitrobenzeno no rio Songhua, matando milhares de peixes e ameaçando o fornecimento de água de diversas cidades, inclusive na Rússia. Desde então, a agência de proteção ambiental chinesa já registrou mais de 45 acidentes. Alguns sérios. Vários envolvendo a poluição de rios com produtos altamente tóxicos.
Nas últimas semanas, o país voltou às manchetes do Los Angeles Times e do The New York Times. Mais uma vez, não eram elogios.
A reportagem do The New York Times de 8 de junho (A Sea of Sand is Threatening China’s Heart) alerta para a desertificação de uma imensa área no interior da China por causa do excesso de utilização e desvio das águas dos rios da região para a agricultura e o consumo de uma população que não pára de crescer.
Segundo a matéria, “um mar de areia está tomando pradarias, pântanos, lagos e florestas” e tornando inabitável o que já foi um dia, “um cinturão verde na rota da seda”. Os governantes e oficiais locais — cuja promoção depende mais de resultados econômicos do que proteção da natureza, diz a matéria — fazem promessas de combater a desertificação, mas nenhuma medida eficaz foi tomada até agora.
A cada ano, o deserto cresce o equivalente ao estado americano de Rhode Island, ou 4 mil km2. Para os ecologistas locais, a única solução é abandonar o local, retirar toda a população, para que a natureza se recomponha sozinha.
Em 11 de junho o jornal trouxe outra matéria sobre como a fumaça das usinas termelétricas e fábricas chinesas é uma séria ameaça à saúde de sua própria população e da de países vizinhos. Segundo a reportagem (Pollution From Chinese Coal Casts a Global Shadow), “A menos que a China encontre uma maneira de limpar suas usinas e milhares de fábricas movidas a carvão, a poluição vai disparar, tanto na própria China quanto ao redor do mundo. O aumento nos gases responsáveis pelo aquecimento global causado pelo uso do carvão na China provavelmente excederá a de todos os países industrializados, juntos, pelos próximos 25 anos, superando em cinco vezes a redução nessas emissões buscadas pelo Protocolo de Kyoto.
A China já usa mais carvão do que os Estados Unidos, a União Européia e o Japão combinados. E o seu consumo tem aumentado 14% ao ano nos últimos anos, na maior onda de industrialização já vista. A cada semana ou 10 dias, uma nova usina movida a carvão, grande o suficiente para prover energia para todas as residências em Dallas ou San Diego, é inaugurada na China”.
E segue, com um prognóstico nada animador: “Para piorar as coisas, a Índia vem logo atrás, aumentando seu investimento em usinas movidas a carvão — e a sua população, estima-se, deve superar a chinesa até o ano 2030”.
Diante desse quadro desalentador, o principal passo dado pelas autoridades chinesas, até agora, foi admitir, publicamente, que “não tem sido feito o suficiente para refrear a degradação ambiental”. É um passo mais importante do que se imagina, especialmente se considerarmos que a China ainda se encontra sob o governo do velho e autoritário Partido Comunista — remodelado, evidentemente. Basta lembrar que, no caso do derramamento de poluentes no rio Songhua, o governo chinês escondeu o fato até não poder mais, piorando muito a situação e colocando a vida de pessoas em risco até na Rússia.
Esse é o tema da matéria publicada pelo Los Angeles Times (Pollution Getting Worse, China Admits, de 10 de junho). “Apesar dos esforços constantes para proteger o meio ambiente, a poluição na China continua piorando devido ao incessante crescimento industrial”, reconheceu o governo. “O conflito entre meio ambiente e desenvolvimento está ficando cada vez mais proeminente”, diz o relatório oficial.
Ainda de acordo com o Los Angeles Times, Pequim está sob enorme pressão para se tornar uma metrópole exemplar por ser sede dos Jogos Olímpicos de 2008. Mas, convenhamos, esse tipo de constrangimento dificilmente é páreo para interesses econômicos e surtem pouquíssimos efeitos. Mal-comparando, basta ver como está hoje o Rio de Janeiro, “às vésperas” dos Jogos Pan-americanos.
O dilema chinês não é nada incomum. O conflito entre desenvolvimento e preservação ambiental é, não apenas lá, um dos maiores — se não o maior — obstáculo político e social enfrentado pelos ambientalistas do mundo todo. O que deixa as coisas mais pretas para os chineses é que eles estão vivendo sua revolução industrial agora, com um mercado consumidor incalculável e insaciável.
Mas, pelo menos os políticos deles já aprenderam a assumir publicamente a culpa. Quando foi a última vez que se viu um político brasileiro fazer um mea culpa? E olha que lá ainda funcionam os paredões de fuzilamento.
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