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Quão importante é a vegetação ao longo dos rios?

Quanto é necessário proteger e restaurar para prevenir colapsos da biodiversidade aquática? A faixa de proteção determinada pela legislação protege, de fato, essa biodiversidade?

29 de junho de 2020 · 4 anos atrás
  • Rafael Loyola

    Diretor Executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, professor na UFG e membro da Academia Brasileira de Ciências

Vegetação ripária ao longo de um riacho em Aiuruoca, MG. Foto: Rafael Loyola.

Mata ripária, mata ciliar, mata de galeria… vários termos, com maior ou menor concordância, são usados para definir as faixas de vegetação nativa ao redor ou às margens de nascentes, riachos, rios e lagos no Brasil. Essa vegetação cumpre um papel fundamental na proteção da biodiversidade aquática e na manutenção serviços ecossistêmicos que são fornecidos por ambientes de água doce. Esses serviços vão desde o controle de erosão e enchentes, a purificação da água, até o controle de doenças e fornecimento de alimento para população.

Diante de sua importância, nossa legislação ambiental (a Lei de Proteção da Vegetação Nativa – LPVN) prevê e assegura a preservação dessa vegetação nativa dentro de valores de referência que são determinados em função da largura do corpo d’água em questão. As áreas cobertas por esse tipo de vegetação são denominadas Áreas de Proteção Permanente (APPs). O tamanho da APP varia de 30 metros, para cursos d’água com menos de 10 metros de largura; até 500 metros, para aqueles que tenham largura superior a 600 metros. No caso das APPs que ficam em torno de lagos e lagoas naturais, essa faixa de proteção vai de 30 metros, em zonas urbanas até 100 metros, em zonas rurais.

Ok, Rafael, mas porque toda essa explicação sobre as APPs? Por duas razões: para lembrar a importância dessas áreas e para alertar que nem tudo são flores. Nos últimos anos, a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) tem feito um estudo minucioso sobre a situação dessas APPs nos biomas brasileiros. Neste estudo, a Fundação tem mapeado – com altíssima resolução (quadrados de 5 metros de lado) – a vegetação ao redor dos rios e estimado o tamanho do passivo existente; isto é, quando houve perda dessa vegetação ripária. Segundo a própria LPVN, todos os proprietários de terra são obrigados a manter as faixas de proteção mencionadas acima e, caso tenha ocorrido desmatamento nas APPS, alguns proprietários (não entrarei em detalhes sobre quais são e porque não todos por aqui) precisam recuperar essas áreas.

“Para a Mata Atlântica, por exemplo, a área degradada em APPs soma aproximadamente 7,2 milhões de hectares, dos quais pelo menos 5,3 milhões precisam ser restaurados, segundo nossa legislação.”

Os resultados da FBDS, que já mapeou todo Cerrado e Mata Atlântica e agora vem mapeando toda a Caatinga e Amazônia, mostram que o passivo ambiental é considerável. Para a Mata Atlântica, por exemplo, a área degradada em APPs soma aproximadamente 7,2 milhões de hectares, dos quais pelo menos 5,3 milhões precisam ser restaurados, segundo nossa legislação. Para que se tenha uma dimensão dessa área que precisa de recuperação legal, seria necessário restaurar uma área equivalente do tamanho do estado do Rio de Janeiro (~4,3 milhões de ha) e ainda faltariam 1 milhão de campos de futebol (1 milhão de ha) para zerar o passivo.

Informações como essa são chave para que as políticas públicas possam ser cumpridas e para que tomadores de decisão possam aplicar sanções e definir prioridades. Entretanto, esses dados só dizem respeito à cobertura vegetal e não à biodiversidade per se. Quanto é necessário proteger e restaurar para prevenir colapsos da biodiversidade aquática? A faixa de proteção determinada pela legislação protege, de fato, essa biodiversidade?

Essas são perguntas fundamentais para entender a importância das APPs e a necessidade de sua proteção, mas são também difíceis de serem respondidas, pelo menos até agora. Isso porque um estudo publicado recentemente elucidou a maior parte dessas questões. Com a colaboração de 50 pesquisadores de 26 instituições de pesquisa, os autores reuniram uma enorme quantidade de dados sobre peixes e invertebrados de riachos distribuídos na maioria dos biomas brasileiros a fim de investigar o efeito da degradação ripária sobre a biodiversidade aquática.

O estudo também usou imagens de satélite, como a FBDS, para detectar mudanças no entorno dos riachos. Os autores combinaram esses dados com estimativas de limiares de alteração da biodiversidade baseados em indicadores biológicos. Ou seja, quando vários indicadores biológicos apontam para uma mesma resposta, é possível distinguir um ponto de corte que acontece em vários locais. Em resumo, o estudo consegue dizer a partir de que nível de degradação é possível observar um colapso da biodiversidade aquática.

“Em resumo, o estudo consegue dizer a partir de que nível de degradação é possível observar um colapso da biodiversidade aquática.”

Se bem que os autores deixam claro que não existe um número mágico sobre o quanto de cobertura é preciso, eles observaram um tamanho mínimo para proteção da vegetação ripária. Obviamente, quanto maior a APP, menor é o risco de ultrapassar os limiares que levam a declínios de biodiversidade aquática; mas avaliando um tamanho mínimo de 50 metros de vegetação nativa nas margens dos rios, os autores encontraram que a perda de apenas 6,5% de vegetação nativa ripária foi mais que suficiente para alcançar declínios acentuados de biodiversidade. Na Amazônia, por exemplo, esse valor foi de apenas 3%. Em áreas com mais de 500 metros de proteção ao redor dos rio, foi necessária uma perda quatro vezes maior de vegetação nativa para os limiares de biodiversidade fossem ultrapassados. Na prática, isso quer dizer que quase qualquer alteração dentro dos 50 metros no entorno dos riachos já é suficiente para desencadear grandes mudanças na biodiversidade aquática.

Os resultados desse estudo, aliados a informações detalhadas sobre cobertura vegetal ripária nos biomas brasileiros são valiosos e estão disponíveis para a sociedade, principalmente para tomadores de decisão, legisladores, gestores de unidades de conservação e proprietários rurais. O passivo a ser restaurado é grande e os efeitos de não se recuperar essa vegetação podem ser desastrosos.

As nações unidas declararam essa década como a década da restauração. O momento é de aproveitar o embalo não para afrouxar, mas sim cumprir efetivamente a legislação, focar em nossas metas nacionais de restauração e cuidar desse ambiente que nos garante todos os bens e serviços que a vegetação ao redor dos rios nos entrega.

 

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

Referência

Dala-Corte et al. (2020). Thresholds of freshwater biodiversity in response to riparian vegetation loss in the Neotropical region. Journal of Applied Ecology, doi: 10.1111/1365-2664.13657.

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Comentários 2

  1. Nayra diz:

    Por gentileza, qual a referências para os quantitativos de: "7,2 milhões de hectares degradados de APP na Mata Atlântica e o passivo ambiental de 5,3 milhões de hectares a serem restaurados". Quero fazer uma citação e preciso referenciar a pesquisa que mensurou esses valores.


    1. Rafael Loyola diz:

      Oi Nayra. A referência é Rezende et al. (2018). Perspectives in Ecology and Conservation, 208-214. Link: https://doi.org/10.1016/j.pecon.2018.10.002