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Carta – O que aconteceu com o movimento ambiental? II

De Rosa CartagenesSantarém, Pará Prezado Sr. Dourojeanni:Tendo-o em grande consideração como referência científica e ambiental, e constatando o...

Redação ((o))eco ·
3 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

De Rosa Cartagenes
Santarém, Pará

Prezado Sr. Dourojeanni:

Tendo-o em grande consideração como referência científica e ambiental, e constatando o silêncio à sua salutar provocação ao “ambientalismo social”, venho, singelamente, tecer reflexões a respeito. É perfeitamente são e justificável o travo de amargura e desesperança de seu ótimo (como sempre) artigo sobre o “ambientalismo enrolado”. É verdade pura, bem além do conceitual, que meias verdades e meias mentiras (e muitas mentiras completíssimas!) têm norteado discursos e imagens – na tal dimensão globalizada feita de palavras ocas e sedutora overdose visual – da vasta gama de setores “ambientalistas”(ou pseudo) que se excedem em desordenada exposição. É certo que ninguém consegue comprovar a sustentabilidade de propalados “manejos florestais” do ideário dos burocratas, centenas de instituições de especulação e agiotagem de recursos naturais lambuzaram-se de tinturas verdes, ninguém se arrisca a assumir publicamente que aquecimento global está diretamente relacionado ao desmatamento e outras tantas atividades suicidas do desenvolvimentismo histérico e espoliação visceral de estados nacionais e interesses multinacionais. É veríssimo que Carajás é uma vitrine de embuste que tenta ofuscar a dilapidação brutal de uma das áreas mais violentas e violentadas do Brasil, e que esse delírio de Aqüífero inesgotável é tão mítico como a “Terra sem Mal” dos Guarani. E ainda temos de aturar pretensos representantes de virtuais democracias fazendo palanque para intermináveis hidrelétricas, oportuníssimas hidrovias e sustentáveis BR’s, onde custos ambientais são cirurgicamente minimizados ou simplesmente ignorados.

Ainda assim, é grande o risco de injustiça e de dispersão de forças políticas que tendem à coesão atribuir ao “sócio-ambientalismo” o confuso momento de entropia do movimento ambiental. Tratar agentes sociais diversos como gatos pardos num mesmo saco (“esses recém chegados se alinharam contra a proteção da natureza”) é bem discutível, mesmo porque a profusão de rótulos nunca costumou colaborar para o engajamento positivo da sociedade nas questões públicas que lhe dizem respeito. É verdade também que Antropologia e Sociologia são campos recentes das chamadas Ciências Humanas, originadas da necessidade do colonialismo e do imperialismo de “dissecar” o outro (no caso, as sociedades nativas não-européias) principalmente a partir de uma pretensa superioridade para lhes justificar a dominação.

Nada disto desmerece a contribuição histórica e a trajetória política que muitos dos chamados socioambientalistas têm efetivado e têm a efetivar em diversas frentes de ação das questões ambientais. Em que pese a infeliz existência de “ongs” e “oscip’s” pervertidas, governos permissivos, fundações mercenárias, teóricos duvidosos e práticas suspeitas ou flagrantemente lesivas ao meio ambiente, à ética e à humanidade, há muitas instituições, associações, e, sobretudo, indivíduos – sérios, capazes e realmente comprometidos – na difícil tarefa (ou sonho…) de compatibilização de interesses sociais e preservação ambiental num planeta onde já se decreta a falência múltipla de suas possibilidades de vida. Não como mera sobrevivência, mas como algo belo, criativo, prazeroso e harmônico neste breve lapso de tempo que nos foi dado existir na face da Terra.

É necessário considerar também, para além da corrupção de instituições, ideologias e métodos, que existe uma parcela razoável de pessoas e propósitos que enredaram duas vertentes – a ambiental e a social – como fruto de uma trajetória presencial e histórica com a vida, morte e drama de sobrevida de milhares de grupos humanos originais – sejam eles índios, caiçaras, quilombolas, campesinos ou quaisquer outros – cuja destruição e cerceamento de seus habitats foram e são infinitamente mais impactantes, tornando-os mais suscetíveis, quer por sua escala de populações minoritárias, quer por suas práticas de usufruto de baixo impacto sobre a natureza, ainda quando este “baixo impacto” seja caracterizado meramente por sua escala populacional reduzida. Ipso facto, humanos, ainda que destrutivos por natureza, também fazem parte da biodiversidade, e seus saberes acumulados por dezenas de gerações ou séculos de existência ágrafa são também riquezas inestimáveis à nossa existência, onde o desrespeito e eliminação da multiplicidade só levam ao empobrecimento da espécie em todos os níveis, do biológico ao imaterial, inclusive o planetário. (A não ser que optemos mesmo por eliminar a humanidade de vez, causa e matriz de todos os males, ou sejamos “Senaqueribes” contemporâneos, projetando jardins suspensos sobre o vilipêndio de escravos e minorias…).

Não creio (não cremos, espero) nesta opção. Há muito a fazer, sim, e esta perspectiva planetária de cidadania é também força motriz daquilo que Darcy Ribeiro, entre tantos cientistas sociais atentos aos fatores ecobiológicos, chamou de “profundo vínculo humano” com estas minorias, algo que vai além de ideologias, ciência ou política. A estas alturas, a aplicabilidade de culpas ou a possibilidade de teorias conspiratórias não somam à sinergia necessária para que ao menos pequena parcela da humanidade, mais sensível e sensata, se configure como força e pressão, ínfima que seja, na tentativa de reversão deste quadro sombrio. Sobretudo, na busca de soluções para os muitos erros e problemas cotidianos que produzimos ao lidarmos com nosso ambiente vital. Mesmo que essa busca dependa de ações e experiências localizadas e tentativas aparentemente vãs, tal qual o mito do beija-flor que leva gotículas no bico para fazer “a sua parte” no combate ao incêndio da floresta…

É verdade que proliferam sanguessugas, anacondas, talibãs e parasitos “arbushtivos” de todas as subespécies possíveis nos movimentos sociais e ambientais (ou no socioambiental, que prefiro escrever junto), como, aliás, em todo mover humano; mas verdes, amarelos, vermelhos ou negros, vivemos todos neste único planeta. Ambientalistas de todas as matizes, apelando para Drummond, não sejamos “poetas de um mundo caduco”… “Vamos de mãos dadas“?

Com protestos de estima e grata pela atenção

OBS.: Descartando qualquer corporativismo, esclareço que não sou cientista social. Sou indigenista, inspetora sanitária, jornalista independente e vivo há mais de 20 anos na Amazônia (MT,AM, RO e PA), onde tenho trabalhado particularmente com povos indígenas isolados.

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