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Ataque aéreo – Entrevista com Ricardo Umetsu

A fama já era conhecida. Uma das primeiríssimas recomendações a quem se propõe aventurar pela região do rio Juruena é o cuidado com os mosquitos....

Andreia Fanzeres ·
10 de março de 2008 · 16 anos atrás

A fama já era conhecida. Uma das primeiríssimas recomendações a quem se propõe aventurar pela região do rio Juruena é o cuidado com os mosquitos. Tanto que a expedição científica tem consumido, em média, um litro de repelente por dia. Além dos riscos de transmissão de doenças, como dengue, febre amarela e leishmaniose, esperadas para regiões de floresta densa, os mosquitos provocam aquele desconforto e as coceiras. Mas em dois pontos do rio, próximos à junção com o Teles Pires, o ataque dos insetos era tão intenso que respirar e comer viraram missões quase impossíveis. Durante a expedição ao Parque Nacional do Juruena, essa característica tão temida foi motivo de surpresa até para especialistas. Confira o porquê na entrevista com o biólogo Ricardo Umetsu, realizada em Alta Floresta (MT) dias depois de o pesquisador retornar da expedição.

O Eco – As equipes de apoio, que se deslocam antes do barco com os pesquisadores, identificaram áreas com muitos mosquitos. Quando, na expedição, isso virou um empecilho real?

Ricardo – Pois é, uma equipe se deslocou mais para baixo do rio Juruena (no sentido de quem sobe o rio a partir do Tapajós) e lá eles encontraram esses mosquitos. Tanto que, agora, o acampamento está na margem do rio Teles Pires. Estava insuportável na porção mais próxima ao Tapajós. A intenção era fazer os levantamentos na margem do Juruena perto dali, mas ao chegar encontramos duas dificuldades. A primeira: não tinha barranco porque o rio estava muito cheio, e depois… os mosquitos.

O Eco – Por que justamente ali havia essa quantidade exagerada de mosquitos?

Ricardo – Na verdade esta é uma característica muito curiosa porque o rio Juruena tem águas mais ácidas do que o Teles Pires. Ele, teoricamente, deveria ter menos mosquitos porque a água ácida é um fator limitante à sua reprodução. Um exemplo clássico são os rios Negro e Solimões, no Amazonas. No Negro as águas são tão ácidas que praticamente não tem mosquitos. Mas no caso do Juruena, provavelmente a existência de áreas mais alagadas e a topografia ajudam a reter água das chuvas.

O Eco – Que tipos de mosquitos eram aqueles?

Ricardo – Pernilongos, “piuns” e flebotominios, um tipo de organismo que é um vetor de um protozoário que causa leishmaniose. Basicamente esses causam um certo desconforto porque gostam muito de sangue. Às vezes, por causa da quantidade de mosquitos, o repelente não funciona. A única coisa pra conseguir contê-los são barracas ou aqueles mosquiteiros que com rede bem entrelaçada. Os mosquiteiros que a gente usa em casa, que seguram o Culex, aquele mosquito mais comum, não funcionam lá.

O Eco – Eles são menores?

Ricardo – Sim, são menores, como os que causam dengue e febre amarela.

O Eco – Essa característica foi percebida apenas em dois pontos do rio Juruena?

Ricardo – Na verdade, abaixo do Salto Augusto (na porção sul do parque) tinha muito pernilongo, era insuportável. Tanto quanto talvez abaixo do Juruena. Mas lá era porque tinha zonas de depressão, áreas com um tipo de solo com menor potencial de infiltração, usadas para reprodução dos pernilongos. A quantidade era insuportável. Eles pousavam na calça, atravessavam o tecido e conseguiam alcançar a pele. Mesmo passando repelente, pra eles isso fazia pouca diferença.

O Eco – Nessa situação, tudo que podemos fazer é nos retirar?

Ricardo – Você não consegue respirar nem comer nessas condições. A picada é dolorida. E desconfortável. Por causa disso, nosso cronograma da expedição mudou. Adotamos a estratégia de fixarmos acampamento na margem esquerda do rio Teles Pires. Mas lá o rio está tão cheio quanto o Juruena, então ali também tivemos dificuldades.

O Eco – E aí finalmente os mosquitos deram um alívio?

Ricardo – Lá é outra realidade, com bem menos pernilongo. E isso em si é um fato curioso, porque o Teles Pires tem outro tipo de água, com tendência a mais pernilongos. Mas no ponto onde a gente ficou a água é corrente, há peixes se alimentando dos ovos e correnteza, bem diferente do Juruena. Na verdade, é uma série de características que permitem que esses organismos se desenvolvam de maneira exponencial, de modo a você não conseguir suportar.

O Eco – O que foi possível levantar em termos de pesquisa, apesar dos mosquitos?

Ricardo – Trabalhar com esses organismos é um tanto quanto complexo. Só de besouros há no mundo inteiro descritos mais de 300 mil espécies. Quando a gente faz uma coleta, recolhemos invertebrados de todas as ordens. Neste plano de manejo estamos dando ênfase à formigas, cupins e borboletas. O restante dos coletados está sendo triado num tempo maior devido a dificuldade de identificação. E muitos estão sendo morfoespeciados. Você não identifica, mas morfoespecia.

O Eco – Como assim?

Ricardo – Com uma determinada espécie, eu sei que quais são suas características, e assim e a diferencio das outras. Quando eu encontro uma igual, separo como aquele mesmo morfotipo. Então através disso eu posso calcular índices de riqueza, diversidade. Eu não sei qual é a espécie, mas eu sei que aquilo é uma espécie. Também não sei se ela foi descrita, isso só vai acontecer a longo prazo. São poucos profissionais que trabalham com taxonomia. As vezes você tem que encontrar uma pessoa no exterior que identifica uma família de um certo organismo. E só aí você vai poder dizer que isso é uma coisa nova. Então porque a avaliação ecológica rápida exige uma resposta relativamente rápida, nós trabalhamos com morfotipos. Então formigas, cupins e borboletas nós temos um nível de identificação alto.

O Eco – Algo novo até agora?

Ricardo – Até o momento, não. Mas o que é importante é que essas espécies estão mostrando com clareza as unidades de paisagem dentro do parque. As assembléias desses organismos deixaram bastante evidente que existe uma questão de paisagem, fitofisionomia, de um conjunto de informações naturais que determinam que tipo de organismos acontecem ali. Esses resultados serão muito importantes para o plano de manejo.

O Eco – Quando saberemos que organismos são esses?

Ricardo – Depois que eu chego do campo eu demoro para identificar, dependo de lupa, de outros equipamentos. Mas tem que ser o mais rápido possível. A informação de formigas, cupins e borboletas da primeira fase (primeira expedição científica, ocorrida em novembro de 2007 na parte sul do parque) já está praticamente pronta. São umas 18 espécies morfotoipadas, que ainda não foram identificadas. E ainda não foram submetidas a especialistas. A chance de organismos duvidosos serem novos é grande, mas só depois saberemos para as demais espécies se são raras, novas, ameaçadas de extinção, em perigo… Precisamos disso para o plano de manejo. Mas eu acredito que em três meses depois da segunda fase já entregaremos os resultados.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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