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Fugindo dos brancos, os Suruí, ou Paiter (como eles mesmos se denominam), foram aos poucos se deslocando, desde o século XIX, a partir de Cuiabá até a região onde hoje se encontram. Fixados ali desde 1969, eles são um dos povos que hoje se lançam à estratégia de incorporar formas de interagir econômica e politicamente com os não-índios.
Uma das questões mais controversas é a conservação ambiental. Agora restritos a territórios demarcados, e com a população em crescimento, os índigenas buscam modos de gerir os recursos disponíveis em seus territórios sem os super-explorar, ao mesmo tempo em que lidam com constantes ameaças de invasão e de impacto de diversas atividades, da pecuária e monocultura de soja à construção de hidrelétricas.
“Funai, Ministério do Meio Ambiente e Articulação dos Povos Indígenas formularam uma Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas. A minuta do decreto aguarda a assinatura de Dilma Roussef.”
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É nesse contexto que têm surgido iniciativas de construir Planos de Gestão dos territórios indígenas. Os planos são feitos pelos próprios povos em parceria com ONGs e expressam o desejo de seus formuladores de conservar a floresta: é a maneira de conservar, ao mesmo tempo, seus modos de vida e concepções de mundo particulares.
Os Paiter dizem que eram 5 mil pessoas antes de 1969. Dois anos após o contato, enfrentando epidemias de sarampo e tuberculose, eles estavam reduzidos a 290 pessoas. Seu território foi invadido por colonos, madeireiros, palmiteiros, caçadores e pescadores, e eles perderam grandes extensões de terras. Muitos foram, desde então, aliciados por invasores não-índios para permitir sua entrada e a exploração dos recursos da floresta, como a retirada de madeira.
Em seu plano de gestão, formulado para durar 50 anos, os Paiter se preocuparam em retomar sua organização política tradicional, fundada na existência de um líder maior, um conselho de anciãos e um conselho de representantes de cada clã. Por outro lado, estão formulando, entre outros, um projeto de geração de créditos de carbono a partir da conservação e da restauração de áreas desflorestadas. Os recursos financeiros adquiridos com o projeto irão para um fundo usado para atender às suas necessidades coletivas.
Acordos e necessidades
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O Plano de Gestão Territorial Paumari do rio Tapauá (povo habitante de três terras indígenas contíguas no sul do Amazonas), por exemplo, está dividido em duas partes: uma diz respeito a “acordos” a que os paumari chegaram sobre como manejar o território, enquanto a outra contém “necessidades” identificadas pelos paumari principalmente em sua relação com instituições não-índias.
Entre os acordos estão estímulo à preservação da medicina tradicional, regras para o tratamento do lixo e para o manejo pesqueiro, da caça e da coleta. As necessidades incluem reivindicações com relação à saúde e educação, além de apoio para vigilância do território e necessidades de infraestrutura (como energia elétrica e telefone). “É importante ter uma regra, para pensar como a gente pode fazer para que o peixe e a madeira não fiquem difíceis depois. Com o planejamento, a gente pensa no futuro”, disse Clemildo Paumari durante a apresentação do plano de seu povo, no seminário.
Política nacional
Um grupo de trabalho composto por Funai, Ministério do Meio Ambiente e APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) formulou entre 2009 e 2010 uma Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). A minuta do decreto está pronta, aguardando a assinatura da presidente Dilma Roussef.
O envolvimento do governo, por sua vez, estimula a desconfiança de Zé Ângelo Nambikwara, estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal do Mato Grosso e um dos participantes do evento em Poconé. “A questão da gestão territorial, do meu ponto de vista, é uma catequese econômica. Apertando o indígena dentro do espaço dele, o próprio índio vai legitimar uma estratégia para criar uma forma de desenvolvimento dentro do seu território”, questiona.
As propostas de desenvolvimento econômico, para Zé Ângelo, exigem atenção redobrada, justamente porque são fruto de decisões dos próprios indígenas. “O governo não vai fazer”, diz Zé Ângelo. “Ele vai pressionar o índio a criar uma atividade econômica dentro da própria área dele. A intenção é que a gente possa sobreviver financeiramente. Mas na hora em que a gente for reclamar, o governo diz: vocês que fizeram”.
Áreas bem protegidas
Dentre as Áreas Protegidas da Amazônia Legal brasileira, as Terras Indígenas (TIs) são as que têm menos áreas desmatadas em seu interior (1,5%). Mesmo as Unidades de Conservação de Proteção Integral, que em teoria não permitem a presença de humanos, a não ser com objetivos de pesquisa ou turismo, têm maior desmatamento acumulado até 2010, chegando a 2,1%. Nas Unidades de Conservação de Uso Sustentável (excluídas as APAs), o porcentual de terras desmatadas chega a 3,7%. Os dados são do livro “Áreas Protegidas na Amazônia Brasileira – avanços e desafios”, do Imazon e Instituto Socioambiental, publicado em março deste ano, e compreendem um período que vai de 1998 até 2009. Segundo o estudo, na Amazônia brasileira existem 414 TIs, somando 1.086.950 km2, área que representa 98,6% da extensão de TIs no país e 21,7% do território amazônico. Elas são lar para 173 diferentes povos, com uma população que soma cerca de 450 mil pessoas. |
* Jornalista e antropólogo, escreve sobre meio ambiente e povos indígenas.
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