Reportagens

Cabeceiras ameaçadas

Na Colômbia, floresta é derrubada para virar pasto ou abrir espaço para plantios de coca. A prática afeta diretamente a saúde dos rios Negro e Japurá, na Amazônia brasileira.

Vandré Fonseca ·
25 de maio de 2007 · 18 anos atrás

O avanço de uma frente de desmatamento e o uso de glifosato, um potente herbicida contra ervas daninas em plantios de soja transgênica, para destruir plantações de coca na Colômbia, ameaçam as cabeceiras de dois importantes afluentes do Rio Amazonas, o Negro e o Japurá. Os dois rios nascem na Colômbia, a noroeste do território brasileiro, em uma área de transição entre a Amazônia e a Cordilheira dos Andes. Ali, as principais atividades econômicas se restringem à substituição da floresta por pasto ou pés de coca.

O alerta foi feito esta semana pela bióloga colombiana Natalia Hernández, da Fundação Gaia Amazônia, e pelo doutor em Ecologia de Paisagens, Arnaldo Carneiro, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Eles participaram de um painel apresentado no encontro Visões sobre o Rio Babel, entre os dias 21 e 25 de maio, em Manaus, que discutiu a criação de uma rede de pesquisadores, organizações não-governamentais, indígenas e instituições de governos para a proteção da Bacia do Rio Negro.

Na região de San José del Guaviare, as plantações de coca são destruídas pelo governo com a fumegação de glifosato, uma prática criticada por ambientalistas. “Alguns dizem que este herbicida não traz problemas para o solo e o ecossistema, mas existem pesquisas que afirmam que o produto se acumula no solo e passa para as águas subterrâneas”, diz Hernández. Além do risco representado pelo produto químico, após a destruição das plantações, os produtores de coca derrubam novas áreas de floresta para o plantio. “São áreas pequenas, mas são muitas”, afirma a bióloga.

O Rio Guaviare deságua no Orinoco e fica ao norte do Uaupés, afluente do Rio Negro. Ali existe uma área de colonização de pelo menos cinco décadas, segundo Arnaldo Carneiro, que se amplia em direção ao sul. Em um processo parecido com o que acontece na Amazônia brasileira, a floresta é substituída por pasto e monoculturas, como a soja e, mais recentemente, cana-de-açúcar e palma-de-cera, para a produção de combustíveis. “A pecuária serve também para agregar terra e construir um patrimônio, como aqui no Brasil”, diz o ecólogo do Inpa.

Esta frente de desmatamento está aproveitando as áreas abertas pelo combate ao plantio de coca para avançar sobre a Reserva Florestal da Amazônia, uma área administrativa em que, teoricamente, só seriam permitidas atividades como a extração de borracha ou agricultura de subsistência, segundo o bióloga colombiana. “Se a floresta crescesse de novo onde a coca foi destruída, não seria tão ruim. Mas estão aproveitando para abrir caminho para a pecuária extensiva”, afirma Natalia Hernández.

A oeste dali, na província de Florença, existe uma outra frente de desmatamento, mais antiga e maior. Ela ameaça tributários do Rio Japurá, que também corre para território brasileiro e vai desaguar no Rio Solimões. Não existe um número confiável sobre a área desmatada, já que o território não é monitorado. Mas Arnaldo Carneiro calcula, com base em imagens de satélite, que 18 mil quilômetros quadrados de floresta foram destruídos entre 1990 e 2000. É um calculo superestimado, segundo o próprio ecólogo, mas que ilustra o que acontece na região.

A região foi colonizada nos anos 30, quando a pecuária chegou por ali. Mas nos últimos anos, o ritmo de destruição da floresta vem aumentando. “Lá o estado é tão ausente quanto aqui no Brasil, com um agravante, está dedicado ao combate da guerrilha”, afirma Arnaldo Carneiro, que esteve lá, em maio, para ajudar na preparação de um curso sobre sistemas silvopastoris na Universidade da Amazônia.

* Vandré Fonseca é jornalista em Manaus.

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