Uma das atividades que considero mais importante no Projeto Lobos da Canastra está relacionada com educação. Estudar o animal é fantástico, possibilita o conhecimento aprofundado de comportamento, ecologia, saúde e toda uma série de outras informações pertinentes para a conservação da espécie. Mas a convivência pacífica do animal com o ser humano depende exclusivamente de educar…o ser humano. Principalmente aqueles que tem uma relação direta e habitam os mesmos ambientes em que o lobo vive. E mais ainda, aqueles que ainda terão contato com o lobo, as crianças.
Para tanto, desde seu início em 2004, o Projeto vislumbrou ações que pudessem compartilhar e disseminar para a população local da Serra da Canastra toda forma de conhecimento adquirido com as pesquisas de campo. Entre elas, palestras em escolas, livros educativos e cartilhas distribuídas na zona rural.
Sabe-se que o lobo-guará é uma espécie que tolera, de certa forma, diversas atividades humanas, e quanto mais degradado é o ambiente, maior é seu deslocamento diário para a procura de alimento, de parceiro, de áreas seguras para descansar.
Na Serra da Canastra não é diferente. Lá existe uma grande Unidade de Conservação de proteção integral, mas os lobos não entendem o que é uma cerca. Os animais silvestres precisam constituir seu próprio território e nele encontrar as condições ideais para sobrevivência. Se a área protegida não é o bastante, ele segue adiante.
Na dura busca pelo seu alimento, o lobo se aproveita de todas as oportunidades. Se os campos nativos carecem de pequenos roedores, caminha em busca de algo substancioso. Um dos seus “pratos” favoritos é a lobeira, uma planta do cerrado que frutifica o ano inteiro (é muito comum encontrar sementes desta fruta em suas fezes). Mas quando a fome aperta, o que der chance vira comida. Toda vez que eles se deparam com uma criação de galinhas, padecem no paraíso. Às vezes, literalmente. Conflitos entre os proprietários e lobos são comuns e a intolerância gera perseguição. A consequência disso é sempre negativa. Para os proprietários, a perda econômica, para o lobo, a perda da vida.
Atividade nas escolas com filmes educativos
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Em 2005, deu-se início a um programa de educação nas cidades e, principalmente, nas áreas rurais, com três frentes de ações educativas. A primeira foi a interação com a comunidade buscando compreender a cultura, as relações com a natureza e com o Parque Nacional. A segunda linha de trabalho foi desenvolvida junto às escolas, com oficinas para abordar assuntos sobre o Meio Ambiente como um todo, buscando o processo de reflexão e estabelecimento de estratégias para as escolas priorizarem a questão ambiental local. A terceira linha de trabalho buscou a abertura de um canal efetivo de comunicação entre o projeto e a comunidade, particularmente nas fazendas da região, através de vídeos produzidos pelo projeto e veiculados em associação a um filme comercial. Esta atividade ficou conhecida como “Cine Lobo”. Atualmente, o projeto de educação está inserido na campanha “Sou Amigo do Lobo”, que quer difundir uma relação harmoniosa com a espécie na Canastra e em todo Brasil.
A iniciativa busca transferir às crianças, aos jovens e adultos da região a responsabilidade de se proteger o lobo-guará e a fauna local, independente de haver uma área protegida próxima. “Isso se conquista somente se os proprietários rurais conhecerem a importância da espécie e tiverem maior tolerância para que a coexistência seja harmoniosa”, frisa Rogério, coordenador da iniciativa. O trabalho nas escolas foi iniciado na semana passada com a doação de lobinhos de pelúcia, símbolo do primeiro lobo que cada criança será responsável. A intenção dos pesquisadores é fazer com que o lobo seja mote de discussões dentro de casa e referência para assuntos sobre a espécie, que vão desde histórias dos antepassados até novos aprendizados transmitidos às crianças.
Galinheiros como ferramenta
O Projeto iniciou também um trabalho direto com os proprietários rurais através da construção de galinheiros, tratado como peça chave à conservação dos lobos. À frente desta ação está Jean Pierre dos Santos, que é morador de São Roque e mais do que ninguém conhece a vida do campo. Em 2007, construiu 10 unidades-modelo. O problema maior não era a construção, mas o convencimento de que criar galinha confinada seria um melhor negócio. Mas a aceitação foi muito positiva e não tardou até que dezenas de criadores quisessem um galinheiro construído em sua propriedade. O resultado imediato se observou na tolerância das pessoas aos lobos, de forma que extinguiu-se sua caça nas áreas onde os galinheiros foram construídos. Com o sucesso de 5 anos atrás, Jean foi selecionado como um “empreendedor da conservação” do programa E-Cons/SPVS, e estipulou como meta construir 50 galinheiros em propriedades rurais, escolhidas em acordo com o que apontam as pesquisas de Rogério. O patrocínio de Tetra Pak foi de grande valia para viabilizar o projeto. A intolerância é um fato, e como parece é impossível exigir conscientização e bom senso, o melhor é evitar ao máximo que os animais interfiram na vida das pessoas.
O lobo-guará não é o único “vilão” da história; outros bichos, como jaguatiricas, gato-mourisco, mão-pelada, gambás e até mesmo cães domésticos visitam as galinhas dos sítios da região. Mas criou-se o estigma de que o lobo-guará é sempre o culpado. Aliás, não houve nada pior para os lobos do que a velha história do lobo-mau e o chapeuzinho-vermelho. E digo mais, não existe nada pior para a fauna silvestre do que as crendices populares. É sabido que do outro lado do Atlântico os tigres asiáticos, tubarões e rinocerontes sofrem atrocidades motivadas pelos misticismos humanos. Mas saibam vocês que, pelo interior do Brasil, o lobo-guará também é alvo destas crenças inconcebíveis. Dizem por aí que carregar o olho de um lobo-guará traz sorte. Mas o olho deve ser tirado de um lobo fêmea, e pior, ela não pode morrer nesta sórdida atitude! Em pleno século 21, é revoltante saber disto…
Nestas duas últimas semanas acompanhei de perto o trabalho incansável desta equipe. Eles não buscam egos inflados nem glórias pessoais. São profissionais dedicados que, em favor de um mundo melhor, da proteção de uma espécie e da preservação de um lugar, dedicam sua vida por um ideal: que todos sejam amigos do lobo.
Se quiserem continuar acompanhando as atividades desse projeto, acessem www.facebook.com/amigodolobo.
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Dia 02 – Rádio-colar, uma ferramenta necessária à conservação
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