Manaus, AM — Não que os botos-cor-de-rosa trabalhem de graça, eles ganham comida na boca. É que ser alimentado com peixes congelados pode até ser mais fácil do que nadar atrás dos cardumes, mas não é o ideal para os bichos, segundo especialistas. O pior, a jornada está sendo cumprida de segunda a segunda, sem descanso. A vida dos botos em Manaus durante a Olimpíada não em sido fácil e preocupa o Núcleo de Fauna do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam).
Manaus sedia seis jogos de futebol da Olimpíada, entre os dias 3 e 9 de agosto, o que significa chegada de turistas, delegações e atletas estrangeiros, muitos interessados por um contato mais íntimo com a Amazônia. Interagir com botos, a partir de flutuantes, é um dos programas preferidos de quem passa por Manaus, mas a atividade não é regulamentada.
Os debates para se criarem regras são travados há anos no Conselho Estadual do Meio Ambiente do Amazonas, sem que ainda tenha se chegado a uma conclusão. O Laboratório de Mamíferos Aquáticos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (LMA-Inpa) e a Associação dos Amigos do Peixe-Boi-da-Amazônia (Ampa) elaboraram uma proposta de Instrução Normativa para disciplinar a atividade, mas ainda aguarda a aprovação do conselho.
“já existem 11 flutuantes entre Manaus e Novo Airão, na Calha do Rio Negro, em geral negócios familiares que exploram o turismo de interação com botos”
|
A proposta determina, entre outras medidas, descanso para os bichos de dois dias por semana, que os flutuantes guardem uma distância de 20 quilômetros um do outro, limites para alimentação e que contatos intencionais nos botos sejam proibidos. A distância é necessária para evitar que, quando um flutuante estiver fechado, os botos busquem outro local onde recebam alimento dos turistas.
Sônia Canto, analista ambiental do Ipaam, afirma que, como qualquer mortal, os botos têm direito a descanso. “Recebemos a denúncia de que não estão cumprindo essas recomendações”, afirma Sônia Canto. De acordo com ela, já existem 11 flutuantes entre Manaus e Novo Airão, na Calha do Rio Negro, em geral negócios familiares que exploram o turismo de interação com botos. “Que eles respeitem o descanso, a quantidade de alimento. Já pensou que toda hora chega turistas, aí passa a ser molestação do animal, passa a ser crime”.
No período de jogos de futebol em Manaus, uma equipe do Ipaam, acompanhada pelo Batalhão Ambiental da Polícia Militar e Ibama, fez visitas a flutuantes para verificar as denúncias. Distribuíram multas e verificaram outra irregularidade, que já haviam visto em posts de turistas, e até atletas, em redes sociais: crianças oferecendo animais silvestres para fotos e interação. “Não pegamos em flagrante, mas observamos quando estávamos chegando, por exemplo, uma criança se escondendo com um macaquinho”, conta Sônia Canto. Ela conta também que alguns turistas confirmaram que ali havia crianças com bichos, que fugiram com a chegada da fiscalização.
Donos de flutuante argumentam que não são responsáveis pelas ações das crianças, mas estão no mínimo permitindo a irregularidade. E, claro, não gostam das ações dos órgãos ambientais. O Ipaam tem tentado agir em outra frente, orientar turistas. Panfletos são distribuídos no Aeroporto Internacional e locais por onde passam muitos turistas, mas o apelo de contato direto com a fauna é muito atrativo e tem gerado renda para muita gente nos arredores de Manaus.
Leia Também
O futuro do boto-cor-de-rosa e as lições aprendidas na tragédia do Baiji
Leia também
Pesca da piracatinga: o boto-rosa não pode ser isca
Estudo detalha equipamentos e práticas desta atividade no rio Purus e Médio Solimões e confirma que as principais vítimas são botos e jacarés →
A dona dos botos cor-de-rosa
Na Estação Ecológica de Anavilhanas, dona de restaurante atrai turistas estrangeiros ao seu estabelecimento servindo espetáculo de mamíferos em vez de comida →
O futuro do boto-cor-de-rosa e as lições aprendidas na tragédia do Baiji
Em 2006, o golfinho que habitava o rio Yangtze, na China, foi dado como extinto. No Brasil, um primo próximo pode caminhar para o mesmo fim →
Acho incrível que se está cevando e alimentando uma espécie ameaçada para entreter turistas, que isso ocorre há uns vinte anos, e que é permitido!
Uma coisa é levar o turista para ver botos selvagens. Outra é transformar o animal selvagem num animal de circo, viciado em alimentação artificial. Mas parece que basta se dizer "tradicional" ou "ribeirinho" para os órgãos ambientais fazerem vista grossa para coisas que, se fosse eu fazendo, dariam cadeia.