O Ministério do Meio Ambiente (MMA) perdeu a batalha dos transgênicos, mas não desperdiçou a chance de sair de cena atirando. Em nota divulgada nesta sexta-feira, 18, o Ministério faz duras críticas à liberação do algodão transgênico “bollgard”, anunciada na véspera pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
De saída, a nota afirma que a decisão “afronta o princípio da precaução, a legislação ambiental brasileira, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança e põe em risco a proteção ambiental do país e a qualidade de vida das presentes e futuras gerações”. Em seguida, o MMA desfia uma série de críticas à postura da CTNBio, que pela Lei de Biossegurança terá o poder de decidir sozinha sobre os cultivos e comercialização de transgênicos no país. O problema é que a Lei, aprovada no Congresso, ainda não foi sancionada pelo presidente Lula, e portanto a CTNBio ainda tem contas a prestar ao governo.
Foi justamente este o primeiro alvo da nota do MMA: a pressa da CTNBio em aprovar o algodão transgênico antes da sanção presidencial e da conseqüente redefinição de sua composição e funcionamento. “A sociedade deve ficar apreensiva com o porquê dessa pressa, exatamente no momento em que está sendo estruturado um marco legal para a matéria”, diz o texto.
Soma-se à pressa a ausência de estudos de impacto ambiental confiáveis para embasar a decisão. O MMA qualifica os estudos apresentados como “de baixa qualidade, muitos ainda não publicados. Portanto, sem o crivo da comunidade científica”. Segundo a nota, a CTNBio até convocou cientistas para discutir vários estudos genéticos e ecológicos sobre o cultivo de algodão. Mas o que ouviu foram recomendações unânimes no sentido de evitar a contaminação de lavouras convencionais com plantas transgênicas. Isto significa, para o MMA, que várias medidas de segregação e segurança no plantio deveriam ter sido tomadas antes da liberação.
Além disso, os cientistas teriam apresentado à CTNBio estudos sobre 170 espécies de abelhas, borboletas e aranhas que interagem com as espécies nativas de algodão, e sobre as quais o impacto de toxinas transgênicas não é conhecido. Nem isso demoveu a Comissão de decisão de liberar imediatamente o plantio e comercialização do algodão “bollgard”, geneticamente alterado pela empresa Monsanto.
O MMA promete apresentar recurso contra a liberação e “adotar outras medidas que julgar necessárias”.
A campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos”, que reúne diversas ONGs e cujo nome é auto-explicativo, também divulgou nota criticando a decisão da CTNBio. O texto lembra que em janeiro deste ano a Monsanto foi multada em 1,5 milhão de dólares “por ter subornado funcionários do governo indonésio para que esta mesma variedade de algodão fosse autorizada para uso comercial sem a realização de estudos de impacto ambiental”.
As ONGs denunciam os conflitos de interesses entre os conselheiros da CTNBio. Segundo elas, dos oito pesquisadores titulares, quatro desenvolvem organismos transgênicos, sendo dois conselheiros do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), “ONG de promoção da biotecnologia financiada pela Monsanto, Bayer e outras empresas de agrotóxicos e transgênicos”.
Por fim, citam os fracassos no cultivo do algodão “bollgard” em outros países do mundo e sua ineficácia no controle de pragas.
Eis a íntegra da nota do Ministério do Meio Ambiente:
Brasília, 18 de março de 2005
Nota do Ministério do Meio Ambiente
A decisão da CTNBio de aprovar comercialmente o algodão geneticamente modificado “Bollgard”, da empresa da Monsanto, nessa quinta-feira (17), afronta o princípio da precaução, a legislação ambiental brasileira, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança e põe em risco a proteção ambiental do país e a qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
Foi uma decisão, no mínimo, apressada, porque o Congresso acaba de aprovar uma lei tratando dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) e o correto seria esperar o desdobramento dessa medida. A sociedade deve ficar apreensiva com o porquê dessa pressa, exatamente no momento em que está sendo estruturado um marco legal para a matéria, que exige, inclusive, mudanças na composiçlão da CTNBio. Merece destaque, ainda, o fato de que os debates sobre a deliberação do algodão transgênico poderiam ter ocorrido de forma mais transparente com a realização de uma audiência pública, instrumento previsto na Instrução Normativa 19/2000, da própria CTNBio.
Além disso, a decisão foi tomada sem avaliação de risco ambiental em condições brasileiras e com base em estudos científicos de baixa qualidade, muitos ainda não publicados. Portanto, sem o crivo da comunidade científica. Cabe realçar, ainda, que a deliberação foi tomada um dia após a realização do único seminário, convocado pela própria CTNBio, com especialistas em fluxo gênico e ecologia, onde os membros da Comissão foram informados sobre vários estudos em andamento relacionados à genética, ecologia, mapeamento e conservação do algodoeiro.
Os palestrantes do citado seminário foram unânimes quanto à necessidade de se evitar a contaminação de espécies silvestres de algodão (uma delas só existe no Brasil) com plantas transgênicas. Portanto, várias medidas deveriam ser tomadas antes da liberação comercial dessa variedade de algodão, como: zoneamento para cultivo; segregação da produção para evitar misturas e garantir rastreabilidade dos diferentes cultivos; organização do transporte para evitar perda de sementes; alteração das normas de produção de sementes; entre outras.
Uma das questões abordadas no seminário relacionava-se à fauna e à flora associadas ao algodoeiro. Recentemente, foram identificadas 170 espécies de abelhas, borboletas e aranhas benéficas às espécies de algodão. O impacto de toxinas transgênicas nessas espécies ainda não foi avaliado. Além disso, a introdução dessas toxinas em plantações poderá reduzir drasticamente a ocorrência de insetos, inclusive de inimigos naturais de pragas.
Diante dos riscos da decisão da CTNBio, o MMA decidiu apresentar recurso contra a liberação comercial do algodão geneticamente modificado “Bollgard”, além de adotar outras medidas que julgar necessárias.
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