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Asas para o alto

No Paraná, onde criminosos e bicho silvestre só se encontram quando o assunto é comércio ilegal de espécies, um bandido inova e inaugura o seqüestro de araras.

Dimitri do Valle ·
6 de maio de 2005 · 19 anos atrás

No Paraná, a novidade em termos de seqüestro não é mãe de jogador de jogador de futebol, mas araras. Aconteceu em Morretes, litoral do estado. Os nomes dos envolvidos não foram divulgados pela polícia, que anunciou a prisão do seqüestrador na semana passada. Ele roubou duas araras no dia 30 de março em uma chácara da cidade e pediu ao dono um resgate de R$ 1 mil.

O proprietário das aves foi à polícia, que o aconselhou a armar o flagrante. O encontro com o seqüestrador foi marcado na cidade portuária de Paranaguá, no dia 12 do mês passado. Ao receber a grana, o ladrão de araras foi capturado por policiais da Delegacia de Proteção ao Meio-Ambiente e as araras devolvidas sãs e salvas.

O seqüestro, diz a polícia, foi uma espécie de acidente de percurso. O destino de aves como essas araras costuma ser outro: o contrabando. O Ibama no Paraná mantém um Centro de Triagem, no município de Tijucas do Sul, a 60 quilômetros de Curitiba, onde guarda animais apreendidos em operações para coibir a caça e venda ilegal. Os números divulgados pela assessoria do Ibama revelam uma indústria de grande porte por trás dos crimes.

Cerca de 500 pessoas já foram autuados este ano por crimes de maus-tratos, caça e contrabando no Estado. Só em 2005, o Centro de Triagem recebeu 1,5 mil animais apreendidos. O cardápio do contrabando é variado e seu alcance vai além das fronteiras do estado. O foco são as aves. Os caçadores comercializam pássaros como o curió, canário, sabiá, saíra e araras.

As autoridades estão fazendo operações quase todas as semanas nas rotas de ônibus que ligam Curitiba à São Paulo. Nos últimos 30 dias, na BR-116, principal ligação entre as duas capitais, a Polícia Rodoviária Federal apreendeu 300 aves embarcadas em ônibus com destino à capital paulista. São Paulo é encarada pelas autoridades como o principal centro receptor nacional de animais contrabandeados.

No Brasil, de acordo com informações do próprio Ibama, o contrabando de animais, seja interno ou para o estrangeiro, só perde para o comércio ilegal de drogas e de armas. Um mico-leão-dourado que vai para o exterior, por exemplo, chega às mãos de um intermediário nacional por algumas centenas de dólares. Lá fora, vale mais de US$ 10 mil.

De acordo com informações do WWF, o maior fundo internacional em prol da preservação da natureza no mundo, cerca de 12 milhões de animais são retirados das matas brasileiras por ano para venda tanto aqui como no exterior. A estimativa da ONG é de que cada 10 animais capturados, nove morrem no cativeiro devido às péssimas condições de tratamento que recebem de seus algozes.

Para combater o problema, ambientalistas apontam que a saída é aumentar a fiscalização junto com um trabalho educacional nas comunidades pobres, geralmente usadas pelos traficantes para a captura dos animais. No Paraná, por exemplo, a ONG SPVS (Sociedade de Proteção à Vida Selvagem) faz um trabalho de conscientização há mais de sete anos com moradores do litoral do Estado, ponto de residência da maioria dos papagaios-de-cara-roxa existentes no mundo. A comunidade tornou-se parceira da ONG e foi contratada para ajudar a fiscalizar a preservação dos papagaios, que estão na lista dos ameaçados de extinção. Eles só existem no Brasil, com uma população de cerca de 4,5 mil exemplares que se movimentam entre o litoral Sul de São Paulo e o norte de Santa Catarina, locais onde existem enclaves de Mata Atlântica ainda preservados.

* Dimitri do Vale tem 30 anos e é jornalista em Curitiba.

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