Reportagens

Boa mesa

Chefs cariocas se rendem aos orgânicos e ensinam receitas especiais. Além dos benefícios já conhecidos para a natureza, eles realçam o sabor dos pratos.

Ana Antunes ·
25 de novembro de 2005 · 18 anos atrás

Tem gente que torce o nariz só de ouvir falar em legumes, verduras e frutas. Ainda mais se, nas prateleiras, eles forem mais caros ou miudinhos e pouco vistosos, se comparados aos “bombados” mais baratos da estante ao lado. Mas não se deixe enganar pelas aparências. Os alimentos orgânicos, pequenos e imperfeitos pela ausência de agrotóxicos, são os que mais fazem sucesso nas receitas de grandes chefs de cozinha.

“Essa história de que alimento orgânico é feio é coisa do passado”, decretou Flávia Quaresma, que comanda o sofisticado Carême Bistrô, no Rio de Janeiro, e apresenta o programa Mesa para dois, do GNT, ao lado de Alex Atala. Flávia foi uma das atrações do workshop “Orgânicos & Gastronomia”, realizado de 16 a 18 de novembro no Rio durante a feira internacional de orgânicos Biofach.

As aulas práticas de culinária foram organizadas pelo site Planeta Orgânico e ministradas por chefs que não dispensam, em suas receitas, os alimentos livres de qualquer composto artificial. Além de Flávia Quaresma, participaram Rosa Herz, do restaurante Celeiro, Roberta Sudbrack, Tereza Corção, do restaurante O Navegador, Thina Izidoro e Jan Carvalho, do Vegan Vegan, Rogério Chimionato, do paranaense Chauá, e a chef argentina Maria Calzada, da “Cocina de la tierra”.

Eles estão preocupados, sobretudo, com a qualidade. Segundo Rosa Herz, os alimentos sem aditivos resgatam sabores que já estavam esquecidos pela maioria dos consumidores. E ela vai além. Diz que em seu restaurante prioriza os alimentos crus, pois assim eles conservam mais seus nutrientes.

O Celeiro foi um dos primeiros restaurantes do Rio de Janeiro a optar pelos orgânicos, e Rosa Herz difundiu o uso desse tipo de alimento para outras cozinhas da cidade. Foi ela quem convenceu, há sete anos, Flávia Quaresma a experimentar as maravilhas dos produtos cultivados naturalmente. Desde então, Flávia não quer saber de outra coisa. “Essa é a minha briga constante com o pessoal da contabilidade do restaurante, porque os orgânicos encarecem um pouco a conta. Mas vale a pena”.

Chuchu, cerveja, mandioca

Na aula, Rosa ensinou algumas receitas de saladas como a de chuchu com pimenta rosa e a de tomatinho com pesto de salsa.. Ela lembrou a importância da certificação dos produtos, que garante que todo o processo de cultivo atende a padrões sanitários e sem a adição de produtos químicos.

Flávia, por sua vez, preparou uma galinha na cerveja. Ela explica que decidiu fazer esse prato depois que provou a bebida orgânica produzida pela empresa Eisenbanh. A galinha caipira, alerta, não é fácil de achar em supermercado. A chef tem seu fornecedor próprio, que cria os animais soltos e não usa hormônios para que cresçam mais rápido. Só assim, esclarece, é possível saborear a real textura da carne da ave. “Não sei como as pessoas conseguem comer esses frangos que tem por aí. São uns frangos ETs, a cor deles é quase verde!”. Há quatro anos, a chef brasileira é responsável pelo cardápio orgânico servido na matriz da feira Biofach, na Alemanha.

Outra cooptada por Rosa foi Roberta Sudbrack, que está em fase de conversão aos produtos do gênero. “Ainda não uso tudo orgânico no meu restaurante, mas depois que eu experimentei o ovo sem aditivos minha vida mudou”, diz ela. Além dos ovos, Roberta também se encantou pela mussarela de búfala – que ela garante ser melhor até que as italianas. Mas o mais importante, para ela, é o contato direto com o produtor. “Eu gosto das folhas das minhas verduras bem pequenininhas e, para isso, posso pedir diretamente à Maria de Fátima, minha fornecedora, para trazer as menores que ela tiver”.

Tereza Corção é fundadora do “Projeto Mandioca”, que busca resgatar uma das mais tradicionais raízes do Brasil e que, segundo ela, anda meio esquecida. Adepta do movimento slow food, que preserva sabores regionais e a biodiversidade agrícola, Tereza optou por um cardápio 100% nacional. Além do feijão tropeiro (sem as carnes…) e da salada de folhas com vinagrete de ibisco, ela fez uma sobremesa indígena à base de mandioca, o chamado “porél”. A receita é simples e deliciosa: duas xícaras de mandioca descascada e crua, um litro de leite, açúcar e 3 ovos; tudo junto no liquidificador com um extrato de fruta (Tereza usou o umbu). Depois leve ao fogo até ferver e deixe esfriar. Na hora de servir, coloque um pouco de geléia da mesma fruta para realçar o sabor.

Rosa Herz destaca outro fator benéfico dos alimentos sem agrotóxicos: o respeito à sazonalidade dos cultivos. “Quando eu era criança ficava esperando o inverno para comer brócolis. Hoje, com agrotóxico, você pode comprá-lo o ano inteiro”. Guiar-se pelos ciclos da natureza resulta em cardápios sempre diferentes e adequados ao clima.

Tudo é muito bonito e aparentemente saboroso no cardápio dos bons restaurantes, mas uma das maiores reclamações que os chefs orgânicos ouviram durante o workshop foi sobre a dificuldade de encontrar esses produtos no mercado. Acostumado com esse tipo de crítica, o site Planeta Orgânico criou uma lista de estabelecimentos que vendem alimentos sem aditivos em todo Brasil. Com as receitas anotadas e os lugares certos para comprar, não há mais desculpa para não virar freguês dos orgânicos.

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