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Foco certeiro

Imagens de satélite de alta precisão são a mais nova arma do Ministério do Meio Ambiente para gerar provas documentais contra devastadores da Mata Atlântica.

Lorenzo Aldé ·
25 de novembro de 2005 · 18 anos atrás

“Revolução”. Esta foi a expressão escolhida por João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), para definir a mais nova arma do governo para combater desmatamentos na Mata Atlântica: imagens de satélite.

No dia 21 de novembro, em evento do Ministério Público de Santa Catarina, foi apresentado o primeiro estudo do ministério com esse recurso, acompanhando a situação de áreas de Mata Atlântica ano após ano. A revolução a que se refere o secretário diz respeito à investigação criminal do desmatamento. As imagens receberam a chancela técnica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e poderão servir como provas documentais para indiciar os proprietários das áreas afetadas.

Uma das regiões mais desmatadas está entre os municípios de Ponte Serrada e Passos Maia, em Santa Catarina. As imagens geraram mapas que mostram as diferenças na ocupação do solo entre os anos de 2000 e 2005. A série histórica comprovou a perda de cerca de 10% de floresta em avançado estágio de regeneração, em uma área total de 30 mil hectares.

O lugar não foi escolhido por acaso. É uma das sete regiões selecionadas pelo MMA para a proteção prioritária das araucárias – espécie em extinção e cujo corte é proibido. Lá foi criado, no fim de outubro, o Parque Nacional das Araucárias. Ao divulgar essas provas de crime, o MMA joga a pressão para cima dos opositores e demonstra que a criação do parque era indispensável para a conservação da floresta.

E os opositores não são poucos. O próprio Governo do Estado já declarou que vai recorrer na Justiça contra a criação do Parque. Em mais de uma ocasião, madeireiros, deputados e prefeitos incitaram a população a reagir com violência contra aqueles que trabalham para proteger os últimos remanescentes de araucária em Santa Catarina. “Os órgãos ambientais de Santa Catarina são contra o meio ambiente!”, acusou Capobianco, logo na abertura do evento “O Ministério Público e a Proteção da Mata Atlântica”, em Florianópolis. E estava só começando: “Para eles, o meio ambiente é um lixo, que devia ser ladrilhado”, atacou, para em seguida conclamar o Ministério Público a atuar em defesa da preservação ambiental no estado. “Senhores procuradores: reajam!”.

Das outras seis áreas acompanhadas por satélite, uma está em Santa Catarina e cinco no Paraná. Também nelas a briga é feia entre ambientalistas e madeireiros. Em Santa Catarina, os ambientalistas conquistaram, além do Parque das Araucárias, a Estação Ecológica da Mata Preta, no município de Abelardo Luz. Mas no Paraná, liminares ainda impedem a criação das cinco áreas protegidas. No estado, a situação mais grave flagrada pelos satélites ocorre em Campos de Palma, onde cerca de 2 mil hectares de campos nativos sumiram para dar lugar a plantações de pinus.

Alta definição

Para fazer o estudo, o ministério adquiriu imagens de diferentes satélites, como o Ikonos, o Spot e o Quickbird. Eles têm grau de precisão muito maior que o Landsat, usado para monitorar o desmatamento na Amazônia. Flagram desmatamentos de até 0,3 hectares, enquanto o Landsat só permite visualizar cortes acima de 6,25 hectares.

“Ao contrário da Amazônia, a Mata Atlântica é muito difícil de monitorar por satélite. Ela está presente em um longo trecho do território nacional, mas dispersa em fragmentos pequenos”, explica Wigold Schäffer, diretor do Núcleo Mata Atlântica do MMA. De posse das fotos em alta resolução, aí sim é possível acompanhar as mudanças nas áreas mais ameaçadas, já conhecidas em detalhe, comparando-as com as quinzenais geradas pelo Landsat, mais distantes, mas gratuitas.

Segundo Wigold, os dados estão sendo repassados ao Ibama, responsável pela fiscalização de desmatamentos, e devem chegar até o Ministério Público, levando à abertura de processos contra os proprietários. “A intenção é acabar com a sensação de impunidade diante do fato consumado. Como os fiscais chegam depois do corte, não há flagrante. Aí os fiscais vão embora e eles voltam a desmatar. Agora, essa seqüência temporal comprova o desmatamento sistemático, o que pode complicar a vida dos proprietários na Justiça”, afirma.

O trabalho de compilação e análise das imagens foi feito entre agosto e setembro, e é o primeiro resultado prático do Núcleo de Georreferenciamento do MMA, criado em março deste ano. A metodologia deve voltar a ser aplicada em 18 regiões prioritárias para conservação no sul da Bahia, onde o MMA quer criar novas áreas protegidas. A intenção é que, ao contrário do que aconteceu em Santa Catarina e no Paraná, desta vez as imagens sejam apresentadas já na fase de audiências públicas, para desarmar de cara a possível oposição local.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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