Reportagens

Visitas inesperadas

Aparecimento de filhotes de tartarugas em praias gaúchas surpreende especialistas. A novidade pode ajudá-los a desvendar mistérios sobre migrações marinhas.

Cristina Ávila ·
16 de dezembro de 2005 · 18 anos atrás


O motivo é simples: pelo que se sabe, as tartarugas nascem nas praias e depois desaparecem por longo período no oceano. Somente adultas retornam à costa. O sumiço é tão característico que tem até nome. É conhecido internacionalmente como “ano perdido” (lost year), uma fase incógnita em seu ciclo de vida.

No final de novembro, o filhotão de tartaruga-cabeçuda que você vê aí em cima, medindo 18cm e pesando 750g, apareceu entre as vizinhas praias de Tramandaí e Imbé, a cerca de 120km de Porto Alegre. Em sua fase adulta, a espécie atinge 150kg e chega a um metro e meio. “Essas tartarugas desovam nas praias entre os meses de setembro e março, do Maranhão ao Rio de Janeiro. Aqui não há desovas. Elas só aparecem adultas para se alimentar”, explica Márcio Borges Martins, biólogo do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul.


“Quando o primeiro filhote apareceu na praia em 2000, não demos muita importância porque achávamos que seria um caso esporádico. Mas a partir de tantas incidências, e pelo fato de estarmos tão distantes das áreas de reprodução, ficamos impressionados. Até porque fazemos pesquisas sistemáticas nas praias desde 1994, durante todos os meses”, relata Márcio Martins.

A incidência de filhotes no estado pode ajudar a desvendar mistérios sobre as rotas migratórias e esclarecer detalhes sobre seu ciclo de vida. Segundo o biólogo, a expressão “ano perdido” não é exata. “Às vezes elas podem ficar uma década no oceano, sem se aproximarem da praia”.

Novas pesquisas


”Essa é uma reunião anual de especialistas brasileiros, argentinos e uruguaios. O filhote de tartaruga cabeçuda apareceu bem na época em que estávamos reunidos, agora em novembro. Todos ficamos impressionados”, conta Sue Bridi Nakashima, bióloga do Centro de Estudos Costeiros Limnológicos e Marinhos da UFRGS (Ceclimar).

Márcio Martins também fez contato com pesquisadores do Projeto Tamar, do Ibama, que devem visitar o Rio Grande do Sul para um trabalho conjunto com instituições do estado. Desde 1994, Márcio Martins faz parte de uma equipe que pesquisa as tartarugas, em parceria com a PUC, o Ceclimar e a ONG Gemars, monitorando praticamente toda a costa gaúcha, de Torres a Mostardas.

O Projeto Tamar foi criado pelo Ibama em 1980, para a proteção das tartarugas marinhas, já acompanhou o desenvolvimento e soltou 7 milhões de filhotes no mar. Tem 21 bases no país. A mais recente foi criada em abril deste ano, em Florianópolis, estado onde, como o Rio Grande do Sul, não ocorre reprodução mas é importante para a alimentação desses animais. No Brasil, vivem cinco das sete espécies de tartarugas marinhas existentes no mundo.

Sue Nakashima explica que a espécie do filhote encontrado em novembro é conhecida como cabeçuda porque elas têm o crânio grande e a mandíbula forte para quebrar carapaças de suas presas. Alimentam-se de moluscos, crustáceos e peixes. A cabeçuda está classificada internacionalmente como em perigo de extinção. As tartarugas fêmeas levam de 15 a 30 anos para estarem prontas para reprodução.

Todas as tartarugas marinhas que ocorrem no Brasil estão protegidas por leis federais e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. As cinco espécies que aparecem no Rio Grande do Sul estão incluídas na lista brasileira de espécies ameaçadas de extinção. A tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), a cabeçuda e a tartaruga-verde (Chelonia mydas) são mais freqüentes no estado. A tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata) e tartaruga-oliva (Lepidochelys olivacea) são mais raras.

Segundo o Livro Vermelho da Fauna Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul (Editora PUC 2003), devido ao comportamento migratório desses animais em oceanos de todo o mundo, “é difícil avaliar criteriosamente a magnitude das ameaças à sua sobrevivência em escala regional”. O livro cita a carência de informações históricas e recentes sobre as populações dessas espécies e de estimativas sobre mortalidade relacionada à pesca, especialmente em áreas de alimentação do sul do Brasil.

* Cristina Ávila é jornalista freelancer em Porto Alegre.

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