Reportagens

Colapso na ilha

As pousadas de Fernando de Noronha estão lotadas para o Reveillon. Mas falta água doce para turistas e ilhéus.O governo contou com a chuva,que não veio.

Carolina Mourão ·
22 de dezembro de 2005 · 18 anos atrás


Depois de dois anos sem chuva, o cenário do arquipélago de Fernando de Noronha é de sertão. Galhos secos e muita terra contrastam com a paisagem paradisíaca da ilha com o maior número de praias do Atlântico. Ao chegar, logo no check in da Pousada do Zé Maria, uma das mais famosas da ilha, o alerta: “Nós pedimos que vocês procurem evitar desperdício de água, o nosso dessalinizador está quebrado há uma semana. Mas não se preocupem, vocês terão água para se servir”. Para a californiana que dava entrada no hotel no momento em que cheguei a notícia surpreendeu. “Uau, uma ilha como essa sem água doce…”. Ela alugou o quarto com hidromassagem no deck, em frente ao mar da Conceição, e comentou comigo: “Eu não atravessei o oceano para me preocupar com falta de água. Vim para sair do stress, eles que resolvam os problemas locais de abastecimento. Vou usar a banheira todo dia, aviso logo porque o quarto é caro”, ressaltou. “Como preferir, senhora”.

A hóspede passou longe da real situação da ilha. O único açude está com apenas 5% de sua capacidade, quase em lama. No arquipélago não há nenhuma fonte permanente de água doce, como rios e nascentes, e o dessalinizador, que só é alcançado pela água na maré alta, também quebrou. A companhia de águas da ilha apelou até para um poço que pertence à Aeronáutica para socorrer a população. Portanto, a água doce que Noronha dispõe é cada vez menor, e está sendo dividida entre os moradores e as pousadas. Pior, o Réveillon está chegando e a ilha já está com confirmação lotada. “Lotação máxima com abastecimento mínimo, imagina o colapso. Já estamos nos preparando para essa matéria”, adianta Tiago Martins, editor de imagens da afiliada da Rede Globo em Noronha, a TV Golfinho.

Para o Major Brussolo, dono da Pousada Solar dos Ventos, existe o risco do cancelamento de reservas ou abandono de pacotes. “Os hóspedes não agüentam este tipo de crise em pleno calor nordestino. Tudo é banho. O sal do mar, o calor, o namoro em lua de mel. Em 2002, um grupo de 10 turistas, hospedados em diferentes pousadas, foi embora antes do previsto por causa da escassez de água. Enquanto a gente investe o ano inteiro a espera da alta temporada”. Brussolo já trabalhou na usina de água de Noronha e diz que a questão do desabastecimento não tem sido levada a sério pelo administrador do arquipélago, Edrise Aires. “Ele está em Recife e não acredita que a coisa chegou a um limite inaceitável. Fica afirmando que está tudo sob controle, quando a gente sabe que não está. É uma questão matemática: aqui se usa mais água do que se tem. Eu sei porque sou dono de pousada”, diz Brussolo.

Tudo dominado

O administrador da ilha, Edrise Aires, disse a O Eco que não há exatamente uma crise de água em Noronha. “Não está faltando água. Eu não estou garantindo que não vai faltar água no Réveillon, mas garanto que não faltará de forma permanentemente”. Aires disse que alguns donos de pousadas amplificam a questão porque querem lotar seus reservatórios, além de exigirem preferência no abastecimento com o argumento de que o turista é quem sustenta a ilha. Segundo Aires, mesmo com tudo “dominado”, em janeiro a capacidade do dessalinizador vai dobrar. “Infelizmente para aumentar a capacidade da máquina em 50% é preciso pará-la. E não podemos fazer isso agora. Daqui a pouco o dessalinizador vai resolver 80% das necessidades da ilha”.

Tarde demais para o Réveillon. Para a data, Aires conta apenas com dois carros-pipa, e um particular que pode ser alugado por 100 reais a viagem – apesar de ser abastecido no dessalinizador público. Ainda assim, o administrador da ilha insiste que não há motivos para alarde. “Existe um exagero que contaminou a opinião pública”. Para o Major Brussolo, o problema é bem mais grave. “Ele está em Recife, só sabe quem está aqui, vivendo o problema. Eu sou um desses que está vivendo de carro-pipa. O veículo abastece duas casas e vai embora, vazio, deixando as outras residências para trás. Fico dois, três dias sem água, agradando os meus hóspedes para não irem embora”.

Cássia Lacerda, chefe interina e técnica em saneamento da Compesa – a companhia de água de Noronha – confirma que existe uma grave crise na ilha. “O caso é crítico. O ideal seria ter quatro carros-pipa no Réveillon. E nós produzimos hoje, com todas as fontes alternativas que restaram, 33 m3 de água por hora. O volume necessário para atender aos moradores e aos 500 turistas em dias normais, sem conforto, seria 45m3. Para o Réveillon, o ideal seria produzir 70 m3. Mas o que temos é apenas os 33m3, e dando graças a Deus”. Portanto, a metade do que seria necessário para garantir a tranqüilidade dos ilhéus e dos turistas, que pagam uma taxa diária de 30 reais para permanecer em Noronha, nesta virada de ano.

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